Transposição do Rio São Francisco poderá virar elefante branco

por Carlos Britto // 03 de março de 2017 às 17:32

Objeto de estudo de vários governos desde o final do século 19, o projeto de desvio das águas do Rio São Francisco (transposição) em direção ao semiárido nordestino só saiu do papel em 2007, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Passados dez anos de obras, a transposição está prestes a ser concluída — ao custo de R$ 9,6 bilhões, mais que o dobro do orçamento traçado, e sob denúncias de corrupção.

São 2.800 quilômetros de extensão ao longo de cinco estados, de Minas Gerais a Alagoas, o São Francisco detém 70% da oferta hídrica do Nordeste — que, por sua vez, guarda apenas 3% da reserva de água doce do país.

A transposição trata-se da maior obra de infraestrutura hídrica do Brasil. Dividida em dois longos canais, a transposição levará 1,4% da vazão do rio São Francisco, partindo de Pernambuco, a rios não perenes e a 27 reservatórios de Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte e também Pernambuco. Na cidade de Monteiro, na Paraíba, ponto final do chamado Eixo Leste da transposição, a água chegará até o começo de março.

Em abril, deverá estar disponível para captação no açude Epitácio Pessoa, conhecido como Boqueirão, responsável pelo abastecimento de 1 milhão de pessoas na região metropolitana de Campina Grande, a segunda maior do estado. Hoje, a Paraíba concentra o maior número de cidades atingidas pela seca. Quase 90% delas estão em situação de emergência pela falta de água. O nível dos reservatórios já é inferior a 10%.

“Temos 42 cidades em colapso, sendo abastecidas somente por carros-pipa”, afirma João Azevêdo, secretário de Recursos Hídricos da Paraíba. “É o tipo de paliativo impossível de ser aplicado a uma grande cidade.” No estado do Ceará, o reservatório de Castanhão, um dos maiores do Nordeste e fonte primária de abastecimento de Fortaleza, está com apenas 6% de sua capacidade de água.

É justamente o Ceará que receberá o maior volume de água da transposição — quase 40%. “Se não chover nos próximos meses, a capital precisará racionar para ter água até o final do ano”, diz Francisco Teixeira, secretário de Recursos Hídricos do Ceará e ex-ministro da Integração Nacional.

Os municípios atendidos pelo maior dos canais, de 260 quilômetros de extensão, o Eixo Norte, porém, terão de esperar mais. Isso porque, em julho de 2016, a empreiteira Mendes Júnior, responsável por parte da obra, abandonou o canteiro depois de ser citada na Operação Lava-Jato. O trecho está sendo licitado novamente e a promessa do Ministério da Integração Nacional é que a obra seja concluída até dezembro.

O Eixo Norte conduzirá a água captada na cidade de Cabrobó, em Pernambuco, a outras bacias hidrográficas importantes, como a do rio Jaguaribe, no Ceará, a do rio Piranhas-Açu, na Paraíba, e a do rio Apodi, no Rio Grande do Norte.

A chegada das águas da transposição do rio São Francisco à região não poderia ser mais oportuna. Mais de 23 milhões de pessoas vivem na caatinga nordestina, a região semiárida mais densamente povoada do mundo. O Nordeste enfrenta o sexto ano consecutivo de seca, a maior já registrada nos últimos 100 anos.

Até o fechamento desta edição, em 20 de fevereiro, 742 municípios da região estavam em situação de emergência. As estimativas de perdas financeiras na agropecuária e na indústria somam mais de 100 bilhões de reais desde 2012. A percepção geral da população dos oito municípios visitados pela reportagem da Revista Exame, autora dessa reportagem, é que as obras de transposição podem até ficar prontas, mas não terão impacto profundo na vida de quem mais sofre com a seca: quem mora nas zonas rurais.

“Ninguém aqui sabe se essa água vai mesmo chegar às comunidades”, diz Francisco Angeocélio, professor de educação infantil do município de Campos Sales, no Ceará. Já os mais de 30 especialistas entrevistados estão menos preocupados com a obra em si — a água vai ser transportada, afinal — e mais com a forma como a estrutura será gerida. O medo de que tudo vire um grande elefante branco é grande, para dizer o mínimo.

Adutoras e ramais

De acordo com o governo federal, 390 cidades serão abastecidas pelas águas da transposição até 2025. O volume mínimo de água garantido aos estados beneficiados será de 26,4 metros cúbicos por segundo. Mas, dependendo da situação do rio São Francisco, essa vazão poderá aumentar e chegar a 128 metros cúbicos por segundo, mais do que o dobro do volume do Sistema Cantareira, que abastece cerca de 6 milhões de pessoas na capital paulista.

O acesso à água, porém, não depende apenas dos quase 500 quilômetros de canais, reservatórios, aquedutos e túneis que os dois eixos principais abrangem e serão entregues pelo governo federal neste ano. Um conjunto de outras obras complementares, a maioria sob a responsabilidade dos estados, será necessário para dar capilaridade à distribuição. Está prevista uma rede de mais de 1 000 quilômetros de adutoras e ramais.

Uma das mais importantes conexões é a Adutora do Agreste, com mais de 400 quilômetros de extensão e que alcançará 68 municípios pernambucanos. Ela deverá ser concluída em 2018, mas só vai captar água da transposição quando outra obra sob responsabilidade do governo federal, o Ramal do Agreste, estiver pronta. E isso só deverá ocorrer em 2020.

O descompasso entre os prazos das obras é apenas um dos imbróglios que hoje envolvem a transposição do rio São Francisco. Fatores-chave para a definição de um modelo de gestão para o projeto ainda estão em discussão. É ponto pacífico, por exemplo, que os estados beneficiados pela obra vão pagar pela água fornecida e terão de bancar a operação e a manutenção de toda a estrutura da transposição. Não se sabe ainda, porém, de que modo esse pagamento será feito, como o preço será repassado ao usuário final da água e que garantias esses estados oferecerão ao governo federal no caso de falta de pagamento.

Por ora, a Agência Nacional de Águas está formulando uma metodologia para calcular a tarifa a ser cobrada dos estados pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Levadas em conta as diferenças de tarifa de água entre os estados e as que existem entre consumidores industriais e consumidores de baixa renda, estima-se que as águas do São Francisco possam custar, em média, 3 reais por mês para cada usuário. Ninguém sabe quando haverá uma definição exata a esse respeito.

Para funcionar de maneira eficiente, um projeto dessa magnitude tem de ser bem remunerado”, diz Paulo Varella, presidente da Agência Nacional de Águas. “Caso contrário, essa imensa estrutura vai se deteriorar.”

Diferentemente de projetos passados de transposição do São Francisco, que previram destinar mais de 70% da água à agricultura irrigada, o atual prioriza o abastecimento humano.

Isso não impede que a água do São Francisco tenha diferentes usos, na medida em que o abastecimento das grandes cidades esteja garantido. Atualmente, 340 000 hectares no entorno da bacia do São Francisco são irrigados, a exemplo do Polo Petrolina-Juazeiro, um dos maiores redutos de produção e exportação de frutas do país. No semiárido, apenas 70 000 hectares são irrigados. Estima-se que mais 150 000 hectares poderão se beneficiar da transposição.

“Se houver compromisso por parte dos governos estaduais, haverá água suficiente para matar a sede e para promover o desenvolvimento econômico dos principais polos regionais do Nordeste”, afirma Francisco Teixeira, secretário de Recursos Hídricos do Ceará.

Revitalização

O governo federal reformulou, no ano passado, o plano de revitalização do rio São Francisco, agora batizado de Novo Chico. Entre as metas está previsto quase R$ 1 bilhão em orçamento para garantir obras de saneamento até 2019. “Que a água da transposição vai chegar ao semiárido, isso é indiscutível”, afirma João Suassuna, hidrólogo e pesquisador na Fundação Joaquim Nabuco, de Pernambuco. “O problema é que ela chegará antes que a bacia tenha sido, de fato, revitalizada.

“Mais do que apenas infraestrutura, o que o Nordeste precisa hoje é de governantes capazes de usar informações relevantes para geri-la”, afirma Carmen Molejon, consultora do Banco Mundial e especialista em recursos hídricos. Se no começo de março a transposição do rio São Francisco realmente virar uma realidade para milhões de nordestinos, seus tão esperados benefícios dependerão — e muito — de que esse raciocínio seja posto em prática. (Com informações da Revista Exame e fotos: Exame e Arquivo Blog)

Transposição do Rio São Francisco poderá virar elefante branco

  1. Paulo Roberto Roberto disse:

    Está obra foi para o PT roubar já roubaram acabou interesse de terminar não tem como roubar mais.

  2. Daniel disse:

    capa ridícula, como vai virar elefante branco se não existe nenhuma comprovação técnica da reportagem.

  3. ostavo disse:

    Uma obra iniciada sem os estudos de pre-viabilidade, de viabilidade, sem projeto basico, sem os estudos de impacto ambiental, a revelia do TCU, do Governos de Mina e do Comite de Bacias do São Francisco, um afronte a Constituição Brasileira. He uma obra que ate o momento não se sabe como sera feita a cobrança pelo uso da agua, e essa cobrança deveria fazer parte do estudo de viabilidade, ou por outra, como essa obra se pagaria, logo não tem projeto mesmo

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