“O que não falta depois dessa empresa é conflito, problema, medo de sair novamente do nosso território, falta de paz“. O desabafo é de Francisca Oliveira, da comunidade Pascoal, em Sento Sé. A professora foi uma das convidadas para o Lançamento do Caderno de Conflitos no Campo 2023, realizado na manhã de ontem (10), na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em Juazeiro (BA), durante o 2º Seminário Política, Cultura e Ambiente.
O conflito ao qual Francisca se refere é provocado por uma mineradora de ferro, que desde 2020 extrai minério na Borda do Lago de Sobradinho, causando prejuízos diretos a 12 comunidades ribeirinhas. A população local, que foi realocada por conta da construção da barragem de Sobradinho, na década de 1970, agora vive novamente a ameaça de ser expulsa e convive diariamente com os danos da mineração, a exemplo da poluição do ar e da água, perda de animais e plantações, perigo nas estradas, aumento de doenças respiratórias, entre outros.
Esse caso de Sento Sé foi um dos 2.203 conflitos no campo registrados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) no ano de 2023 em todo o país. A maioria dos conflitos registrados foi pela terra (1.724), seguidos de ocorrências de trabalho escravo rural (251) e conflitos pela água (225). Esses dados estão presentes no Caderno de Conflitos do Campo 2023, publicação organizada desde 1985 pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino da CPT Nacional, que traz um balanço anual dos dados das violências ligadas a questões agrárias no país.
De acordo com o Caderno de Conflitos, o Estado que mais registrou conflitos foi a Bahia: 249. Em seguida estão o Pará (227), Maranhão (206), Rondônia (186) e Goiás (167). A agente da CPT da Diocese de Juazeiro, Marina Rocha, apresentou esses dados durante o Seminário da Univasf. No território da Diocese foram registrados, no ano passado, 20 conflitos por terra nos municípios de Sento Sé, Casa Nova e Campo Alegre de Lourdes; quatro conflitos por água em Sento Sé; e uma tentativa de assassinatos e ameaça de morte em Campo Alegre de Lourdes.
“Estamos sempre em conflitos, por terra, água, energia, comida, moradia… e precisamos estar porque se pararmos, o bicho pega. A gente faz a luta, a gente precisa conhecer nossos direitos para permanecer em nossos territórios“, afirmou Zacarias Rocha, do território de fundo de pasto de Areia Grande, em Casa Nova. Durante o Seminário, Zacarias relatou as quase cinco décadas de luta de sua comunidade, que resistiu à Barragem de Sobradinho, Ditadura Militar, grilagem de terras e diversas ameaças de empreendimentos do capital.
Resgate
O assessor das pastorais sociais da Diocese de Juazeiro, Roberto Malvezzi (Gogó), fez um resgate histórico de como a violência faz parte da constituição do Brasil, desde a colonização aos dias atuais, e também na formação do território do Sertão do São Francisco. “A violência é histórica na região, desde a pistolagem, os jagunços(…), mas agora a situação é mais complexa, os conflitos no campo envolvem empresas, muitas vezes, transnacionais, que quando vamos para a questão jurídica tem que ser resolvida fora do país“, destacou Gogó.
O lançamento do Caderno de Conflitos no Campo 2023 em Juazeiro contou com a participação de estudantes, professores, agentes pastorais e integrantes de organizações populares. O evento foi organizado pela CPT Juazeiro e o Programa de Pós-Graduação em Política, Cultura e Ambiente (PoCAm/Univasf). O Caderno de Conflitos pode ser baixado, gratuitamente, no site da CPT Nacional.
Aqui no Brasil, o conflito no campo é de uma certa forma fomentado pelo Governo, lhes dou um exemplo, Os projetos públicos de irrigação. Os primitivos das terras saem de uma maneira ou de outra de suas terras, para dar lugar aqueles que vem de fora. Assim foram com os indígenas e tudo o mais. Não que sejamos contra o desenvolvimento da Região, entendemos perfeitamente que a Barragem de Sobradinho teria que ser construída, achamos que pelo menos mais umas três precisam ser construidas, só que cabe aos governos minimizaram os traumas dessas construções, que é possível eu não tenho dúvidas, o problema é que as soluções passam por vários gabinetes em Brasília e aí a coisa dedingrola, são muitos querendo levar vantagens, e que está na ponta não é ouvido e fica a ver navios. Enquanto Brasília decidir o que deve ser feito em sua localidade, sempre vai haver esse conflito de interesses, na Região do Vale do São Francisco, tem técnicos suficientes capazes de saberem o que e melhor para a Região.