Escassez de mão de obra no VSF: Setor da uva enfrenta crise sem soluções simples

por Carlos Britto // 06 de novembro de 2024 às 06:40

Foto: Reprodução Globo Rural – Ilustrativa – Arquivo Blog

O Vale do São Francisco, reconhecido mundialmente pela produção de uvas de alta qualidade, enfrenta uma grave crise de mão de obra. Produtores locais relatam dificuldades para contratar trabalhadores nas fazendas da região, em parte devido à dependência de muitos potenciais trabalhadores de benefícios sociais como o Bolsa Família, dizem os produtores. No entanto, os motivos são complexos e vão além da mera falta de interesse pelo trabalho rural.

A crise

Fazendas locais têm relatado extrema dificuldade em contratar trabalhadores, uma situação que se agrava devido à obrigatoriedade de contratação formal, o que inviabiliza a inserção de muitos beneficiários de programas sociais, como o Bolsa Família. Esse grupo de potenciais trabalhadores opta por não aceitar o emprego formal para não perder os benefícios recebidos.

Em busca de alternativas, algumas fazendas têm adotado medidas atípicas para atrair trabalhadores, como distribuir comunicados em vilarejos acompanhados de quantias simbólicas em dinheiro, para estimular o cadastro de interessados.

Mesmo com essas tentativas, a adesão é baixa. No âmbito legislativo, propostas estão em discussão no Congresso para que beneficiários do Bolsa Família possam trabalhar com registro em carteira sem perder os repasses. Entre os defensores dessa medida está o ex-deputado federal Guilherme Coelho, presidente da Abrafrutas que atua junto ao setor buscando soluções para a crise.

Produtores rurais defendem terceirização e novas estruturas de trabalho

Rodrigo Zucal, produtor rural, acredita que alternativas como a terceirização poderiam ser eficazes para enfrentar a escassez de mão de obra. “Se fosse permitido que empresas de prestação de serviço contratassem trabalhadores para atividades específicas, como o raleio, o setor teria mais flexibilidade”, afirma. Segundo Zucal, trabalhadores terceirizados poderiam atuar com maior liberdade, sendo pagos por produção, o que reduziria custos fixos das fazendas e aumentaria a competitividade do setor.

Além disso, ele destaca que o desenvolvimento de novas variedades de uvas, mais resistentes a doenças e condições climáticas, pode ajudar a reduzir a dependência de mão de obra intensiva. “O melhoramento genético está trazendo variedades que demandam menos trabalho, são mais resistentes e se ajustam às exigências do mercado”, explica Zucal, citando o exemplo da variedades premium, que, apesar de sua alta qualidade, enfrentam o risco de perdas devido à falta de pessoas para realizar a colheita.

Sindicato denuncia condições precárias e exige valorização da mão de obra

A escassez de mão de obra, no entanto, não seria apenas uma questão de falta de interesse ou incentivo ao trabalho, conforme defende Maria Joelma, diretora do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Petrolina. Para ela, as condições de trabalho e a remuneração insatisfatória são fatores decisivos na crise. “Não se trata apenas de receber o Bolsa Família e não querer trabalhar. É uma escolha entre ganhar pouco ou passar mal debaixo do sol, em condições precárias”, enfatiza.

Joelma destaca que o trabalho nos parreirais, sob lonas de proteção usadas para preservar as uvas, torna as condições insuportáveis para os trabalhadores, com sensações térmicas que ultrapassam os 45°C. Ela relata casos de desmaios entre os trabalhadores, especialmente mulheres, devido ao calor. “O trabalhador que ganha R$1.450, após os descontos, recebe em torno de R$1.100. Muitos preferem o Bolsa Família para evitar esse desgaste físico”, argumenta.

O sindicato também pede melhorias salariais e benefícios adicionais, como uma cesta básica de R$200, plano de assistência familiar e condições de trabalho mais dignas, como evitar que o trabalho seja realizado nas horas de maior exposição ao sol. “Essas medidas garantiriam mais qualidade de vida ao trabalhador e ajudariam a fixar a mão de obra local”, afirma Joelma.

Ela também aponta o problema da contratação de trabalhadores clandestinos como um entrave. “Muitos empregadores preferem pagar um valor mais alto, mas na informalidade, sem benefícios ou segurança. Isso desestimula quem quer um emprego formal e seguro”, critica Joelma.

Soluções em debate e um futuro incerto

A crise de mão de obra no Vale do São Francisco acendeu um debate sobre o papel das políticas públicas e das práticas do setor privado na região. O produtor Rodrigo Zucal sugere que mudanças na legislação, permitindo a terceirização de serviços e a formalização de beneficiários de programas sociais, poderiam ser decisivas para estabilizar o setor. Por outro lado, o sindicato dos trabalhadores defende que a solução passa pela valorização salarial e melhorias nas condições de trabalho.

Com a visita do Ministro do Trabalho marcada para o próximo dia 13, representantes dos trabalhadores preparam um documento reivindicando a realização de novos concursos para fiscais trabalhistas na região, como forma de reforçar a fiscalização e combater a contratação irregular de mão de obra.

A situação das uvas apodrecendo nos parreirais, incapazes de serem colhidas por falta de trabalhadores, é um exemplo simbólico de como a crise afeta não apenas a economia local, mas também o mercado exportador e a imagem do Vale do São Francisco no cenário internacional. A expectativa é que o diálogo entre produtores, trabalhadores e governo produza medidas que contemplem todos os lados e garantam um futuro mais estável para a região.

Escassez de mão de obra no VSF: Setor da uva enfrenta crise sem soluções simples

  1. Eu disse:

    Vai lá Carlos Brito ficar de baixo de um parreiral pra ver onde o calo aperta.

  2. Minatan disse:

    O terceirizado não tem a mínima estrutura logística nem tampouco trabalhista para oferecer esse serviço. Numa eventual reclamação trabalhista, quem arca é a empresa. Sem contar que os sindicatos não vão largar o “osso”, permitindo esse tipo de prestação de serviço.

  3. Abimael Constantino disse:

    Esse problema é crônico, não só na fruticultura, mas em todos os setores primários, em especial na construção civil.
    Esse panorama não se resolverá a curto prazo, pois os benefícios sociais gerou uma legião da preguiçosos, alcoolatras e viciados em drogas que vagueiam pelas ruas em busca de esmolas para sustentar o vício.
    Óbvio que a culpa não é deles, mas fruto da ideologia governamental de que: quanto mais pobre, mais dependente dos benefícios sociais, o que gera voto.
    Chegou a hora do pagamento dessa fatura e os mais vulneráveis pagarão caro. Os gestores públicos terão muito trabalho pela frente para conter a violência urbana, que se avizinha.
    Certamente as indústrias vão acelerar seus processos de mecanização e quando o trabalhador for excluído das bolsas, será tarde demais para ter de volta seus empregos.

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