Artigo: Compram Luis Vuitton, mas não compram livros

por Carlos Britto // 14 de junho de 2012 às 12:38

Não há muito o que falar deste artigo irrepreensível do escritor Ronaldo Correia de Britto, senão apenas concordar com ele.

Confiram:

Sobrevoando as terras dos municípios de Juazeiro da Bahia e Petrolina, avistamos o deserto sertanejo, cinza e marrom na estiagem desse ano. Em meio à secura, as águas do São Francisco e os plantios irrigados. Na caatinga rala, os círculos, triângulos, trapézios e retângulos verdes parecem pintura abstrata. De perto, são cultivos de manga, uva, caju, feijão milho e coco, uma agricultura próspera graças à melhor tecnologia e à generosidade do Velho Chico, de quem muito se tira sem se dar nada em troca.

É belíssimo o remanso d’água entre as duas cidades: parece um lago. Os pernambucanos atravessam a ponte e olham Petrolina de Juazeiro, achando-a mais bonita. Os baianos devem fazer a mesma travessia. De qualquer ângulo, há beleza de sobra; as cidades que crescem ao lado das águas são sempre mais belas. Imaginem quando existiam as matas ciliares, o rio tinha um caudal extenso e as embarcações ligavam as cidades, transportando mercadorias e gente. Embora se fale tanto em preservação e reflorestamento, um condomínio de ricos cresce à margem do rio, em área destinada ao replantio de árvores nativas.

É o Brasil dos ricos e pobres infratores, da bancada ruralista e o do código florestal que está sendo analisado no Executivo, enquanto escrevo essa crônica. Chamam esse pedaço de Pernambuco e Bahia, encravado no sertão, de Califórnia Brasileira. A uva é da melhor qualidade e o vinho produzido já ganha apreciadores. Pode-se fazer um tour pelos vinhedos, degustar as bebidas, comprá-las, igualzinho se faz na Califórnia.

Juazeiro e Petrolina possuem meio milhão de habitantes. É bastante gente. Há universidades, várias faculdades, excelentes restaurantes e cerca de mil bares, dizem. Aposto que é intriga, porque isso daria a média de um bar para quinhentas pessoas.

Há um ponto em que as duas cidades não parecem nada com a Califórnia: lá não existe uma única livraria. Bem diferente de Berkeley, com sua biblioteca de milhões de exemplares e livrarias por todos os cantos. Dá para acreditar na dura verdade sobre Juazeiro e Petrolina? Como o apóstolo Tomé, eu acreditei porque vi a chaga dessa tristeza. Os milhares de estudantes e seus familiares não frequentam livrarias, não folheiam livros, não fazem descobertas de autores ao acaso. Compram na Internet, quase sempre por indicação dos professores, o que nunca é a mesma coisa de andar entre estantes, deixando-se seduzir por capas, ouvindo conversas de outros leitores. Essa realidade nos humilha e envergonha. Põe em xeque se algum dia alcançaremos a excelência na educação, o que mais precisamos para ser um país de futuro.

Dois sebos resistem em meio a esse deserto de letras, parecendo pés de juazeiros verdejantes em ano de seca braba: o Rebuliço e o Kanaã. Serão suficientes para as duas cidades com meio milhão de habitantes? Vocês perdoariam essa grave falta de livrarias, por conta desses sebos modestos? Até parece a história bíblica de quando Iahweh resolveu destruir Sodoma e Abraão intercedeu por ela. Começou alegando que talvez existissem cinquenta justos na cidade, que não mereciam perecer. O Senhor prometeu que perdoaria a cidade se ele encontrasse os tais justos. A apelação do suplicante continua, até que o número é reduzido para dez. O resultado vocês conhecem. Eles não foram achados e Iahweh fez chover enxofre e fogo.

Não existem mais deuses com essa virulência nem é preciso tamanho castigo. Juazeiro e Petrolina são iguais às outras cidades brasileiras em que faltam livrarias, bibliotecas, teatros e cinemas. Muitas, principalmente no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. É incompreensível que proliferem universidades e faculdades, se não há o suporte de livros e boas bibliotecas. O Ministério da Educação faz grandes investimentos, tornou-se o grande comprador de livros do País. Mas os estudantes e as pessoas comuns, mesmo as mais ricas, não se educaram a consumir esse precioso bem de cultura. Alegam que eles custam caro e que não possuem dinheiro. Mesmo que a grana nunca falte para a cerveja, o celular novo ou pra bolsa Louis Vuitton.

Ronaldo Correia de Brito/Cearense, é Escritor, Dramaturgo e médico, radicado em Pernambuco, e autor de “Galileia”, “Faca” e “Livro dos Homens”.

Artigo: Compram Luis Vuitton, mas não compram livros

  1. Válter disse:

    É de se lamentar… digo isso de carteirinha pois, modéstia a parte, tenho muitos bons livros em casa. E nossas dignissímas cidades não possuem uma LIVRARIA sequer (sem serem as que vendem exclusivamente BÍBLIAS). Os livros não mudam o mundo mas mudam as pessoas para que essas pessoas sejam capazes de mudar o mundo!

  2. Cidadão disse:

    Excelente texto. Muito triste esta situação que é a pura verdade. Mais triste ainda é perceber que a elite econômica da região não se distingue em quase nada da classe C no tocante à cultura. O que caracterizava a classe média do passado era o consumo de “bens culturais”. Hoje os chamados “emergentes” almejam em primeiro lugar um carro zero quilômetro, uma empregada doméstica, uma TV gigante, um I(qualquer coisa da Apple), etc. Acho que se fizer uma pesquisa, desejos como mandar o filho estudar nos Estados Unidos, comprar livros, assistir a consertos de música erudita ou assistir a peças de teatro (sem duplo sentido embutido) nem seriam mencionados. É nesse ponto que eu invejo os franceses que leem no metrô, que podem trocar os seus livros usados facilmente por outros ou que preferem um carro usado a ter que deixar de apreciar uma boa comida em um bom restaurante. Mas paciência, a civilização ainda é recente no Brasil. Pode ser que as coisas melhorem um dia.

  3. Perfeito! disse:

    Espetacular esse artigo, a carência de uma boa livraria nessas cidades chega a doer, não existe uma nem mesmo para os livros didáticos escolares.

  4. Rosa Alves disse:

    Eu espero que os universitários, futuros doutores do vale são franciscano, estudantes em geral, se sensibilizem com esse artigo e iniciem uma campanha, provoquem os políticos, convoquem a população e convençam os empresários. Maõs à obra!

  5. Maria disse:

    Porquê falta livrarias em Petrolina/Juazeiro? Porque não dá dinheiro para os donos, as pessoas que lêem, compram seus livros na internet ou quando está em viagem.
    Mas em primeiro lugar a falta do hábito da leitura da maioria das pessoas começa em casa com os pais que preferem estar nos bares das esquinas ou comprando marcas para se exibirem e não compram um livro sequer, nem a Bíblia por que acham os preços absurdos!

  6. Dreda disse:

    Artigo para ler, concordar, … e chorar. Também me causa estranheza e choque a falta de livraria em Petrolina, mas não só isso. Falta-nos também aqui um teatro de respeito. A livraria depende da iniciativa privada, mas o teatro poderia ser erguido pela Prefeitura. Fica a sugestão.

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