Artigo do leitor: “A todos e a todas, um pleonasmo vicioso”

por Carlos Britto // 23 de novembro de 2017 às 19:50

O professor e servidor público Raimundo Francisco Filho levanta, neste artigo, uma questão polêmica acerca de uma expressão linguística comumente usada por muitas pessoas, mas de forma equivocada.

Boa leitura:

Não sou nenhum Policarpo Quaresma, mas sou um ferrenho defensor da nossa bela e querida Língua Portuguesa, “a última flor do Lácio”, como bem disse Olavo Bilac.

Incomoda-me imensamente ouvir, dentro de ambiente acadêmico, professores proferirem o famigerado “a todos e a todas”. É extremamente desconfortável à minha audição. E o que é pior, professores com título de doutor, representado a própria Instituição de Ensino, em muitas vezes. Pois eles sabem ou deviam saber que “todos” é um pronome substantivo indefinido.  E que quando em uma saudação, se diz “a todos”, tal cumprimento já se estendeu, conforme a própria acepção do pronome indefinido (todos), a todos os presentes ou ouvintes: homens, mulheres, jovens, crianças, meninos e meninas, etc.

Causa, portanto, estranheza o uso reiterado dessa expressão por professores, de quem se espera uma reflexão sobre o que dizem, afinal são formadores de opinião. E como disse em outro artigo, não dá para dizer que se trata de uma questão de gênero, ou linguagem inclusiva.

Uma vez que a proposta dos defensores da linguagem inclusiva dentro da concepção de gênero é a utilização dos termos masculino e feminino na construção da linguagem como, por exemplo: “sala dos professores e das professoras”; “casa da cidadania”, em vez de “casa do cidadão”; “o ser humano”, em vez de “o homem”; “os alunos e as alunas”, trabalhadoras e trabalhadores, etc. Até aqui, é compreensível. Não há nenhuma subversão à gramática da norma padrão da Língua Portuguesa. Porém, “a todos e a todas” não passa de um pleonasmo vicioso, que devemos evitar, segundo o que aprendemos na escola. E não dá também para justificar isso em nome de um “politicamente correto”, que não passa de um clichê.

Imaginem, senhoras e senhores professores, seus alunos escrevendo ”a todos e a todas” na redação do Enem. Como seriam avaliados? E o professor que usa a expressão “a todos e a todas”, deve não ignorar do seu aluno um “a gente vamos”. Que poderá até justificar dizendo tratar-se de uma concordância idiológica, de uma silepse (figura de linguagem), ou coisa do tipo. Claro que não o é. Falo isso apenas em tom de ironia.

Quando vou a uma solenidade de formatura, os momentos que antecedem as falas dos oradores (professores) são sempre de suspense e dúvida, em que o coração bate em descompasso. Será que vem um “a todos e a todas”? Ou não? Quando não vem, é um alívio. Nem tudo está perdido! Quando sim, um desalento. E vontade de protestar, mas procuro me conter, afinal sou um convidado e não ficaria bem.

Em texto publicado em 16/09/2010, na Veja, acerca da expressão “a todos e a todas”, o colunista Sérgio Rodrigues afirma que “trata-se de uma bobagem populista – daí seu sucesso com os políticos, cultores por excelência de bobagens populistas”.

Sendo isso verdade, é mais uma razão para o desalento, uma vez que, em vez de ser o professor o formador de opinião, o influenciador passou a ser influenciado por pessoas que na maioria das vezes têm uma única preocupação: parecer agradável e falar o que a massa, na maioria das vezes acometida por algum tipo de alienação, quer ouvir.

Devo registrar que, como professor de Língua Portuguesa, reconheço todas as suas variedades linguísticas e o valor de cada uma delas dentro do contexto social onde deve ser adequadamente usada. O falante com competência linguística é, portanto, a meu ver e de muitos especialistas, aquele que sabe usar adequadamente a variedade linguista nas mais diversas situações de interação comunicativa. Todavia, a norma padrão da língua é inegavelmente a de maior prestígio social, a que abre caminhos para a ascensão dos que adquirem o seu domínio. E no ambiente acadêmico é esta a variedade que deve ser usada.

Destarte, “a todos e a todas” é mais que uma inadequação gramatical, é um pleonasmo vicioso tal qual “subir pra cima” e “descer pra baixo”. Uma deselegância. O professor que em nome de uma “ideologia”, ou não, usa tal expressão presta, paradoxalmente, um desserviço à educação e a sociedade.

É, portanto, por essa e por outras que a educação em nosso País caminhou para trás nos últimos 20 anos. Um retrocesso que é o resultado da adoção de teorias utópicas e inconsequentes na educação que mais serviram e servem a interesses ocultos de alienação social.

Raimundo Francisco Filho/Professor e servidor público

Artigo do leitor: “A todos e a todas, um pleonasmo vicioso”

  1. Policarpo Quaresma Ainda Vive disse:

    Isso para não falar dos famigerados “entendiR”. A pessoa quer falar “entendi” e escreve “entendiR”. Aliás em várias palavras fazem isso. E as pessoas que gostam de falar “PERCA”. Sendo que perca é uma flexão do verbo “PERDER” (exemplo: tomara que tal time “PERCA” o campeonato). O que querem falar é “PERDA” (exemplo: tivemos uma “PERDA” de 200 quilos de uvas). Mas, fazer o que?

  2. antonio luna alencar disse:

    Muito boa a reflexação gramatical feita por Raimundo F. Filho. Doi nos tímanos ouvir ” a todos e a todas” ou então sua Excia. Dilma ” Presidenta” da república. Graças a Deus que nos livramos de ouvir isso

  3. silvana nunes disse:

    Muito obrigada professor Raimundo Francisco Filho por nos presentear não apenas com o esclarecimento, mas com um texto tão bem feito e agradável de ser lido.
    Por favor, continue compartilhando conosco mais textos assim.

  4. é miragem disse:

    Texto muito bom.
    Ufa, não ou o único a pensar assim!
    Sabe o que acontece ? A ideologia não vai se deter a tais questões, quem não lembra do filme 1984 e a Novolíngua?!

  5. JN Petrolinense Nato disse:

    E os adesivos com o nome “fixa” nos carros? É o verbo fixar? Pois ficha é com ch… Viva o País em que Neymar e as Coleguinhas são referencia Nacional…

  6. Leonardo disse:

    Ótimo texto!

  7. Ronaldo Lasako disse:

    O senhor esqueceu de acrescentar que o pronome é também “variável”, portanto, aceito na forma feminina, masculina, singular e plural. Logo, deve ser declinado a fim de direcionar ao público desejado.
    O que talvez justifique o seu desconforto é o fato da língua ser masculina quando se direciona a um público heterogêneo. Por exemplo, em uma sala de aula mista, os professores usam os pronomes masculinos para direcionar seus discursos.
    Experimente, em um local com a maioria de mulheres, mas com poucos homens, direcionar-se a todos(as) no feminino…

  8. Maria disse:

    Não entendo o porquê de tanto incômodo. O texto publicado na Veja, que foi citado neste, é péssimo.

  9. Caroline disse:

    Senhoras e senhores também não seria redundante? O correto não seria falar somente senhores?

  10. Fabio Godoy disse:

    Super atual!

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