Artigo do leitor: “Maconha, legaliza ou não?”

por Carlos Britto // 24 de dezembro de 2015 às 14:00

mary ann professoraNeste artigo, a Professora Mary Ann Saraiva aborda, com riqueza de informações, a polêmica sobre a liberação ou não da maconha. Boa leitura:

No Século XIX os povos da América Latina usavam maconha de forma tradicional (chás, às vezes cigarro em rituais) e seu plantio era destinado à produção de fibras têxteis (cânhamo). A partir de 1930, a criminalização da maconha no Brasil e no mundo ganhou força, com a intervenção dos Estados Unidos para fortalecer a indústria americana do algodão. A partir dessa época os plantios passaram a ser considerados ilegais. O Tratado Único de Entorpecentes, proposto pela ONU em 1961 e ratificado por dezenas de países, tinha como um dos objetivos eliminar, em 25 anos, o uso da maconha, a qual foi classificada como perigosa e sem valor terapêutico.  Estamos em 2015, passaram-se mais de 50 anos, e hoje temos que discutir à luz da Ciência todas as implicações em continuar com a criminalização ou promover a descriminalização ou a legalização da maconha no Brasil.

A maconha é uma mistura de flores, folhas e hastes da planta Cannabis sativa (cânhamo) e possui centenas de substâncias, algumas com possível ação terapêutica, outras altamente tóxicas. Os fumantes usam as flores (inflorescências) para fazer o cigarro.

Os efeitos psicoativos e medicinais da Cannabis são conhecidos desde a Antiguidade. Suas ações no cérebro são produzidas pelos canabinoides. Alguns desses compostos melhoram náuseas, dores e espasticidade (contração muscular involuntária). Porém, o delta-9-tetraidrocanabinol (THC) é o principal responsável pelos efeitos psicoativos, como alterações do humor, do pensamento, do comportamento e outros distúrbios de percepção. Outra molécula presente na maconha é o canabidiol (CBD), que tem sido testado para uso medicinal em neurologia e psiquiatria, e, em 2015, foi liberado no Brasil para tratar alguns tipos de epilepsia.

Na nossa atividade cerebral há substâncias produzidas por neurônios – os endocanabinoides – que agem na comunicação entre tais neurônios. Logo, os neurônios interagem normalmente com os endocanabinoides. Isso explica por que os canabinoides da maconha agem no cérebro, pois os neurônios de quem fuma a maconha interage com os canabinoides, como o THC, da mesma forma que deveriam interagir com os endocanabinoides (moléculas normais do metabolismo do sistema nervoso).

No Brasil o estímulo ao uso de drogas, numa geração com valores escassos, é desproporcional aos raros e ineficazes programas de prevenção antidrogas. Uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, o 2º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), identificou que 62% dos entrevistados expostos à maconha começaram a usá-la antes dos 18 anos – faixa etária em que são mais vulneráveis e quando os danos podem ser irreversíveis, dentre eles os problemas relacionados ao estudo e limites da educação familiar.

Numa situação oposta ao Brasil, tem-se a Holanda, que há cerca de 40 anos permite a venda e consumo de maconha e outras drogas (cogumelos alucinógenos) em coffe shops, locais onde maiores de 18 anos compram até 5 gramas de maconha por uma quantia entre 16 e 18 euros. Na Califórnia (EUA), há quase 20 anos a maconha é vendida com receita médica, sendo assim permitido o uso medicinal, que, na verdade, é “disfarçado de medicinal”. Em Portugal, há mais de 10 anos, existe uma política de descriminalização de drogas. Ainda, nos EUA, há quase 2 anos, os Estados de Colorado, Washington, Oregon e Alasca legalizaram o uso recreativo da maconha; e o Uruguai, em 2014, iniciou a legalização da maconha. Esses e outros países têm implementado ações de convivência com o consumo recreativo da maconha. Mas, e o Brasil?

Antes de qualquer cidadão defender uma posição sobre a postura proibitiva ou permissiva em relação ao uso de maconha, é preciso registrar que pesquisas científicas comprovando os efeitos cancerígenos da fumaça do cigarro, por conter monóxido de carbono e alcatrão, são incontestáveis. Nessa mesma perspectiva, são conhecidas pelo público as mortes causadas por câncer associado ao tabagismo. É preciso lembrar que, da mesma forma que o cigarro, ao fumar maconha o indivíduo inala monóxido de carbono e alcatrão.  Dessa forma, não se justifica legalizar a prescrição da maconha como uso medicinal.  Na forma de cigarro a maconha é mais maléfica do que benéfica.

Jovens e adultos são perdidos para o mundo das drogas ou da violência do tráfico em nosso país. Então, a resposta a essa situação não pode ser a simples legalização da maconha.  Deve-se desenvolver métodos eficazes de prevenção e promoção da saúde e não se calar diante dos que clamam pela legalização, alegando o poder terapêutico da maconha. O cigarro de maconha não é terapêutico. É maléfico à saúde, assim como também são o álcool e o cigarro, infelizmente considerados drogas lícitas. Certamente, há muitos defensores para o cigarro e o álcool, justamente por não entenderem toda a gama de danos sociais e de saúde que ambos desencadeiam. Quantos morrem em acidentes de trânsito por causa do álcool? Quantas famílias perecem pelos males do alcoolismo? Quantas pessoas morrem de câncer por causa do cigarro?

O Brasil pode até descriminalizar o uso da Cannabis e regulamentar a pesquisa de suas moléculas que têm potencial terapêutico. Mas legalizar o uso recreativo dessa droga num país sem infraestrutura regulatória é dizer aos jovens que maconha faz bem. Maconha não é fármaco. Maconha é droga alucinógena e isso precisa ser considerado no estabelecimento das políticas públicas, que, por agirem somente na criminalização do usuário, têm se mostrado ineficazes.

Mary Ann Saraiva Bezerra Fornelos Pereira/ Bióloga com mestrado em Biologia pela UFPE/Profª de Biologia do BioS Petrolina-Juazeiro e da Graduação em Agronomia do IF Sertão-PE

Artigo do leitor: “Maconha, legaliza ou não?”

  1. Edilberto disse:

    Na minha opinião acho que o mais prejudicado com a liberação ao plantio e uso da maconha é o traficante que vai deixar de existir, não vai ter a quem vender e no geral a população será beneficiada porque são bilhões investidos no combate ao tráfico, que poderia ser aplicado na orientação e educação da população quanto ao uso de bebidas, cigarros que são drogas como a maconha. Por outro lado não existe interesse pelo governo porque não têm como taxar o sujeito que planta em casa sua maconha para consumo, como cigarro e bebidas que é mais ou menos 75% retido de imposto. Por trás de tudo isso existe muita controvérsia e hipocrisia, por exemplo, o cara da alta sociedade que usa droga é vitima dela, já o sujeito “pé de chinelo” é vagabundo, drogado, maconheiro, etc. Embora eu nunca tenha usado droga, fumei cigarro comum durante 27 anos e fazem 15 anos que deixei, sei o quanto causa uma certa dependência física e é sofrido largar mas não impossível, abandonei o vício e sem tratamento algum, apenas baseado em informações sobe os males causados. Não incentivo ninguém a usar cigarros, droga ou bebidas são todos nocivos a saúde, cada um com um potencial especifico.

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