Artigo do Leitor: O papel do negro no contexto histórico do País

por Carlos Britto // 20 de novembro de 2015 às 13:34

Pelourinho_DebretNo Dia da Consciência Negra (20 de novembro), o professor de História, Gesner Santana Silva afirma ser necessária uma reavaliação do papel do negro no contexto do Brasil, e não apenas tratá-lo como “símbolo de resistência”.

Confiram:

Para a princesa, uma flor: resistências escravas no Brasil

Resistir é negar-se ao sistema, é tentar contornar, conseguir conviver, burlar, facilitar e não, tão somente, romper os laços com o opressor e com o cativeiro. O modelo de tráfico e alocação dos escravos oriundos deste processo (modelo escravocrata brasileiro) proporcionou diferentes ressonâncias no processo que levou, desde as primeiras fugas, até a criação dos Quilombos. É preciso questionar então o conceito de liberdade e dissociá-lo do termo “fuga”. A palavra em questão nos remete a rebeldia, desobediência e única alternativa viável para o escravo que almejava melhores condições de vida.

A inserção do escravo, enquanto força de trabalho, foi inicialmente tratada como a única forma de atuação destes seres humanos e cabendo somente ao negro um lugar separado na estante da História do Brasil, como se o escravo apenas fosse usado para o trabalho restando para ele o papel de pouca (ou quase nenhuma) relevância, uma coisa, um produto, uma ferramenta que poderia depois, depois de usados, ser colocado em seu devido lugar, não participando de nenhuma relação ou transformação social. Durante muito cabia aos escravos apenas esta definição e eram assim tratados como coisas, como mercadorias, reguladas pelo processo econômico.

Como ponto inicial e de discordância do conceito acima apresentado, Gilberto Freyre vai enaltecer a condição do escravo como agente da miscigenação brasileira. Para Freyre o traço principal em suas obras, mais precisamente em Casa grande & Senzala, é a não negação do papel do escravo enquanto agente histórico, o negro vai se misturar ao branco, ao mulato e vai produzir uma nova perspectiva para os olhares mais reacionários. O escravo vai criar o filho do senhor, vai fazer amor com ele, vai odiar, vai brincar, vai influenciar, vai tomar condição (salvaguardando as devidas proporções e lugar) de “gente”, mesmo sendo um servo e estando atrelado aos devaneios e atitudes de seu dono.

Os primeiros traços de resistência vão se estabelecer na convivência. O escravo que não aceitava sua condição nem sempre enxergava na luta, na fuga ou na violência exacerbada o único viés para sua liberdade. O que nos leva também a discutir o conceito de liberdade.

O que seria esta liberdade? Para onde iria este escravo liberto, forro por sua própria destreza e/ou trabalho árduo? Inseridos desde seus pais e avós no contexto do cativeiro e da servidão, como para ele, a liberdade era vista? Será que para o escravo todas as mazelas e durezas de uma vida servil acabariam com a tão sonhada liberdade? Surgiram então algumas alternativas, mudança de dono, fuga temporária para reivindicar “direitos” ou “regalias”, alcoolismo, infanticídio, são algumas das formas de resistência e que nem sempre levavam à liberdade.

O escravo não queria ser escravo, mas se não o fosse, o que seria? As resistências (quase) silenciosas vão dar o tom das ações destes escravos, que sabidamente viam estas relações de negociação ou contrato, como sendo mais benéficas do que o rompimento direto com o sistema.

É válido salientar que estas formas de resistência fizeram parte de todo o processo que envolveu a questão da escravidão no Brasil. A violência era a reguladora, para onde na maioria dos casos isolados se fazia presente como investidas contra Quilombos e na desarticulação de possíveis levantes. O que mais se via era a negociação. Na História do Brasil como em outras partes do globo, os escravos negociaram mais do que lutaram abertamente contra o sistema. As representações de resistência estendiam-se também para ações inusitadas e interessantes, como o envio de flores por parte de um quilombo, para a Princesa Isabel na tentativa de estabelecer uma relação de “respeito” para a nova condição por eles reivindicada.

A entrega simbólica das flores para a Princesa representa fidedignamente a noção que se tinha a respeito da condição do escravo, seja ela no estatus de liberto ou de cativo. A atitude da entrega deste presente, deste símbolo, significa dizer que a resistência poderia ser encarada como um processo natural, haja vista que o momento ao qual este episódio está inserido, já representava o limite das ações que dariam início ao que levou a referida monarca a aceitar a assinatura da Lei Áurea, que enfim “libertara” os escravos. É preciso contar de forma mais dinâmica a história das resistências escravas no Brasil, para que possamos assumir uma nova postura, e não apenas reproduzir e caracterizar resistência como violência, como fuga, como sinônimo de revolta e de Quilombo.

Gesner Santana Silva/Professor de História

(foto/reprodução)

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