Artigo do leitor: “O script de suas excelências”

por Carlos Britto // 24 de setembro de 2015 às 08:40

casa plínio amorim 2O aumento no número de vagas de vereadores nas câmaras municipais do país (incluindo Petrolina) não se sustenta nas justificativas apresentadas para a medida. Pelo menos é isso que pensa o leitor Maurício Costa Romão, que explana seus argumentos neste artigo.

Boa leitura:

Com a aproximação da eleição de 2016, várias Câmaras Municipais do país – de norte a sul – aumentam ou intentam aumentar o número de seus vereadores para a próxima legislatura de 2017-2020.

O script para sacramentar o aumento é seguido à risca por suas excelências: o propósito é discutido inicialmente na edilidade por uns poucos parlamentares, de forma tímida, recôndita, e aos pouquinhos vai angariando adesão interna corporis.

Quando suficientemente seguros de que a proposta tem respaldo suprapartidário na Casa, suas excelências partem para a segunda fase da estratégia indicada no script: dar conhecimento ao público, através de notinhas de jornais, entrevistas, plataformas digitais, etc.

A reação negativa da coletividade já é esperada, mas isso é apenas um detalhe, faz parte, o importante é seguir em frente com o script. Algumas Câmaras até finalizam o processo mediante uma democrática audiência pública, na qual as intervenções dos presentes são majoritariamente contra o pretendido acréscimo. Mas e daí? Era só mise-en-scène mesmo…

Do ponto de vista fiscal o aumento do número de vereadores, se materializado, é de todo reprovável, principalmente agora em tempos de crise. Sob o aspecto legal, contudo, a pretensão das edilidades se encontra respaldada pela Emenda Constitucional 58/2009.

De fato, na referida emenda a quantidade de vereadores por município está distribuída de acordo com 24 faixas populacionais e, em cada faixa, especifica-se o correspondente número máximo de vereadores que o município pode ter. Se determinado município se encontra numa faixa populacional que lhe permite acrescer a quantidade de edis até o limite máximo da faixa, a respectiva Câmara está legalmente resguardada.

Mas os nobres edis precisam ter argumentos para justificar o aumento do efetivo parlamentar, nas entrevistas, nas ruas, nas audiências públicas. Sem problemas, os argumentos são aqueles de sempre, já formatados no script:

(1) “a população fica mais representada”; (2) “trata-se de uma mera adequação à legislação vigente” e (3) “não acarreta novas despesas para o município já que os repasses da prefeitura (duodécimos) continuarão os mesmos”.

Tais argumentos não se sustentam.

(1) Para uma dada população se sentir representada no Parlamento o que vale é a produtividade dos legisladores e não a quantidade numérica deles. A coletividade não quer saber de mais vereadores por mil habitantes. Ela intui que esta relação não tem significado prático para o bem comum; é mera retórica dos que querem ampliar seu próprio espaço.

A coletividade quer saber – aí, sim – o que é que suas excelências, com esse contingente atual, estão fazendo para ajudá-la nas suas demandas comunitárias, para acompanhar e fiscalizar as ações do executivo, para produzir leis de interesse coletivo, para discutir temas contemporâneos, etc.

(2) A EC 58 não obriga nenhuma edilidade a fazer “adequação”. O texto constitucional (o art. 1º da emenda modifica o inciso IV do caput do art. 29 da Carta Magna) só estabelece o limite máximo de vereadores por faixa populacional. Não exige que nenhuma Câmara “se adeque” ao limite estipulado.

(3) A justificativa de que o aumento de mais vereadores na edilidade local não vai trazer novas despesas ao erário público beira às raias da desfaçatez.

Com mais nove vereadores na Câmara é praticamente impossível que não haja aumento de despesas públicas, de uma forma ou de outra. Se o município não transfere o duodécimo pelos limites legais vai haver pressão da Câmara para aumento do repasse. Se não transfere, a sangria nos cofres públicos termina sendo realizada por meio de outras rubricas (cessão, sem ônus, de pessoal do Executivo para o Legislativo, por exemplo).

O certo é que, no mínimo, haverá prejuízo para alguma atividade do próprio Parlamento. Por exemplo, para manter estruturas de mais gabinetes na Casa, remanejam-se verbas destinadas à capacitação dos servidores, a audiências públicas, à tecnologia da informação, etc.

Por último, também previsto do script, a jogada matreira que emoldura o nefasto intento de suas excelências: o aumento de contingente puxa o quociente eleitoral para baixo e, portanto, a ascensão às Câmaras Municipais fica mais fácil para elas próprias na eleição vindoura.

O quociente eleitoral é fruto da divisão dos votos válidos do pleito pelo número de vagas no Parlamento. Quando estas vagas aumentam, dados os votos válidos, o quociente cai.

Apenas para ilustrar este ponto, considerem-se três municípios cujas Câmaras pretendem incrementar seu efetivo parlamentar: Olinda (PE), Cotia (SP) e Uberaba (MG). Nestas localidades as projeções dos seus quocientes eleitorais para 2016 indicam uma queda de 35%, 61,5% e 64,3%, respectivamente, em comparação com as previsões dos quocientes caso o número de vereadores não mudasse.

Ao se colocarem na contramão da agenda da sociedade e, ainda por cima, lançarem mão de script delineado com argumentos falaciosos e esperteza aritmética, suas excelências aumentam ainda mais o fosso que os separa dos seus representados.

Maurício Costa Romão/PhD em Economia, Consultor da Cenário Inteligência e do Instituto de Pesquisas Maurício de Nassau

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