Nos 126 anos de emancipação de Petrolina, não faltam lembranças históricas e marcantes da ‘Joia do Sertão’. Uma delas é relatada neste artigo pelo poeta e jornalista Carlos Laerte, sobre a cena cultura da cidade.
Boa leitura:
O que há de comum entre um festival e um show? Pouca coisa, desde que não tenham acontecido num lugar por nome Petrolina. A terra onde o impossível amanhece provável e anoitece pleno, realizável. E antes que adormeça o sol deste aniversário de 126 anos, vamos apurar algumas sobras de lembranças e retornar a 1980, há 41 anos, quando tivemos dois momentos emblemáticos da cultura sanfranciscana: o 1º Festival Lítero Musical da Faculdade de Formação de Professores de Petrolina (FFPP) e o show ‘Cabelo duro é preciso que é pra ser você crioulo’.
O festival, inspirado no ‘MPB 1980’, realizado pela TV Globo no Rio de Janeiro, foi meu primeiro alumbramento e deu início a uma parceria poética com Lênio Ferraz que resultou na publicação dos livros Suspiros de Imaginações (1981) e Sementes (1983). Participamos da primeira eliminatória, defendendo a canção Voar sem Asas.
Era o mês de junho e o Cine Massangano, hoje Centro Cultural Dom Bosco, completamente tomado, respirava tão somente os acordes e harmonias, arranjos, letras, melodias, o sentimento dos artistas da região. A banda base, Mirage, animava as torcidas organizadas ao som dos solos do guitarrista João Neto, o garanhuense que anos depois veio a tocar com nomes como Dominguinhos, Nando Cordel e Belchior.
Tudo bem conduzido com o talento dos apresentadores Daniel Campos e Stella Rios e sob os cuidados de um júri formado por artistas, jornalistas e professores. O primeiro lugar, já era esperado, foi para Maciel Melo, com a música ‘Cheia’. A nossa canção não ganhou prêmios, mas pela empolgação foi escolhida para abrir a final deste festival, que além do incentivo, marcou a linguagem e o estilo de muitos compositores ribeirinhos.
Três meses depois, a cidade, ainda sob esse clima, viveu o show que mais incrivelmente teve a plateia enérgica e participativa. Era setembro, e no clima de aniversário de Petrolina, o Grupo de Teatro Imaginativo – Guterima subiu ao palco do Cine Massangano sob o comando de José Geraldo, Eraldo Rodrigues, Maciel Melo, Mariney, Jailson Mangabeira e uma bandeira: “…Cura dessa doença de branco/ de querer cabelo liso já tendo cabelo louro/ Cabelo duro é preciso que é pra ser você crioulo'”. Uma canção na qual Gilberto Gil canta sua negritude e a de todos os brasileiros.
A primeira apresentação, além da irreverência, rebeldia e recorde de público, deixou um saldo de 42 cadeiras quebradas pela plateia, que transformou o auditório em um grande salão e o show em uma dançante festa, uma comunhão de encontros.
A repercussão fez com que a produção procurasse outro endereço para a segunda edição e a trupe seguiu, 15 dias depois, com mais gente ainda para o Cine Petrolina. A empolgação, com músicas a exemplo da ‘Massa’, de Raimundo Sodré, ‘Arrasta Pé’, de Jorge Alfredo e Chico Evangelista, e ‘O Mal é o que Sai da Boca do Homem’ (“Você pode fumar baseado/ baseado em que você pode fazer quase tudo”), de Pepeu Gomes, foi tamanha que o número das poltronas quebradas subiu para 66. José Geraldo garante que todo o prejuízo foi devidamente pago aos dois cinemas e ainda sobraram alguns trocados para uma outra paixão, ‘A Crucificação’, o espetáculo sacro que o Guterima apresenta há 44 anos e que já faz parte da tradição na Semana Santa.
Mas o saldo maior deste ano de 1980 rotações, que também registrou o lançamento do primeiro romance publicado na cidade, ‘Pedro e Lina’, de Antônio de Santana Padilha, é certamente o legado de artes e de saberes que alterou o curso da história cultural de Petrolina, enquanto o País assistia ao desmoronamento do regime militar e já respirava o clima das ‘Diretas Já’.
Carlos Laerte/ Poeta, jornalista e diretor da CLAS Comunicação & Marketing
Laerte, parabéns pelo belíssimo texto. Em um diálogo com Jose Geraldo, maciel e os demais, nosso produtor solicitou uma ambulância para prevenir qualquer incidente . Maciel até duvidou, e não era prá menos, pois Petrolina , pacata cidade na época, não precisaria desse artefato de segurança, más, mesmo assim foi atendido e, para surpresa de todos, vimos a explosão cultural emanada nos jovens ali presente. Repito, claríssimo e bem sucinto o teu texto. Á partir desses shows a cidade teve uma nova cara . Valeu pelas boas lembranças e continue resgatando maravilhas das artes da nossa cidade.