Artigo do leitor: Saudades de Paulo Freire

por Carlos Britto // 25 de fevereiro de 2014 às 22:05

Neste artigo abaixo, o professor e guarda municipal Antônio Damião Oliveira faz um comparativo interessante entre o ensino nas escolas de décadas passadas com o que é praticado atualmente. E sente saudades daquele tempo.

Confiram:

Sala de aula escolaParafraseando o conceito de escola segundo o saudoso Paulo Freire, um dos maiores educadores do país, se bem que o mesmo se expressou com outras palavras, a escola não é só tijolo, tampouco paredes, e, nem somente giz, pincel, livros, cronogramas, horários, disciplina, quadro negro ou uma linda arquitetura predial. A escola também é feita por funcionários, gente de carne e osso, do zelador ao mais alto escalão hierárquico.

Deveria ser um ambiente interessante, prazeroso e atraente, onde cada pessoa tivesse seu valor e importância no convívio e desempenho de suas funções. Não pode ser uma multidão de gente cercada por uma ilha, mas viver fraternalmente como irmãos, unida nos mesmos propósitos. Se não existir o zelador, haverá acúmulo de lixo; se faltam os alunos, a quem vamos ensinar?; se falta o professor, não há como aprender; se faltam os pedagogos, não existirá o projeto pedagógico.

Recordar é viver, é lembrar-se de inesquecíveis momentos vividos em sala de aula. A expectativa, a empolgação, o entusiasmo são adjetivos apropriados para a vida de um estudante. Conhecer os professores, a turma, os novos colegas e, em particular aquelas que nos faziam mergulhar num mundo de sonhos e fantasias românticas (as gatinhas), já naquele tempo as mesmas se configuravam como o centro das atenções do universo masculino.

Um olhar despretensioso, a simetria do rosto, o cabelo, os olhos, os atributos físicos, a voz…nada escapava, tudo era percebido, mas ficava admirando-as no anonimato. A escola no meu tempo era a minha segunda casa. Quanta alegria era ir para aquele ambiente familiar, descontraído e divertido.

Não só com o objetivo de estudar, aprender e armazenar conhecimentos, mas absorver ensinamentos e princípios educativos que me ajudariam na convivência em sociedade. Lembro-me que no primeiro dia em sala de aula era o momento de nos apresentarmos, cada um ficava em pé e pronunciava o nome. Algo tão simples, mas que causava nervosismo e timidez.

Esse contato frente a frente, olho no olho, servia como uma espécie de quebrar o gelo, aproximação, familiaridade, a emoção de conhecer novas pessoas, fazer grandes laços de amizades, criando um espírito de camaradagem e companheirismo. Educar-se, socializar-se, crescer e ampliar os círculos de amigos, respeitando cada um individualmente e, principalmente, os educadores era o fundamento maior, além de rezar o Pai Nosso que Jesus nos ensinou. Acho que foi um tempo de maior civilização e aprendizado daquela geração, além de cantar o hino nacional com orgulho e respeito.

Diariamente participávamos do hasteamento da bandeira, todos em fila, com as mãos para trás, com ordem e decência. Fazendo uma reflexão da educação do passado com a do presente, causa escândalo, repulsa e vexame. As coisas mudaram, houve uma regressão tamanha em vários aspectos entre os alunos e professores.

Conflitos constantes, agressões em proporções alarmantes causando até a morte; atos como esses eram uma raridade naquele tempo. Nunca ouvi falar, não me recordo de tal brutalidade. Não, jamais presenciamos algo dessa natureza, nunca chegamos a esse ponto, uma violência sem limites, porque ainda existia disciplina e a vontade de aprender era muito mais importante do que se envolver nesse tipo de situação.

A pornografia não tem hora, é praticada em qualquer lugar. Pasmem todos, lamentavelmente em muitas escolas do Brasil, sem censura, sem pudor, e fazem questão de postarem nas redes sociais, preferencialmente no Facebook, como se fosse muito normal. Em fração de minutos e segundos a vida íntima de cada pessoa é violada. Tornou-se muito natural postar fotos de nudez; de repente seu corpo está exposto para os olhares expectantes de todo mundo. A internet é uma ferramenta muito útil, mas também uma arma de destruição da vida privada de qualquer pessoa.

Quando você se descuida repassando informações pessoais na rede mundial, imperceptivelmente seu nome já está na lama, sua reputação está arruinada, comprometida. Quantos já foram vítimas e passaram por sérios constrangimentos? é necessário se policiar porque, se cair na net, é difícil apagar as consequências. Em milésimos de segundos as imagens criam asas e voam nas páginas numa velocidade inimaginável. Mesmo os maiores gênios da informática não conseguem desfazer ou apagar o registro do que foi postado.

Não é que não existissem problemas com drogas, sexo, alcoolismo, assassinato nos anos anteriores. Todavia, na minha época de colegial parece que existia mais controle, mecanismos que impediam o crescimento, e agora não temos como coibir ou impedir essas atitudes negativas que causam perplexidade a todos nós, apesar de tantos programas de inclusão social, e o policiamento ostensivo por parte das autoridades militares como guardiãs da sociedade e as instituições que se preocupam com a vida do cidadão, como é o caso dos direitos humanos. Crescemos no aspecto de criar entidades institucionais, mas não temos ferramentas adequadas para funcionamento das políticas públicas. Aí fica extremamente difícil reprimir o crime, antecipar os fatos, mesmo com redobrado esforço do Estado com o Pacto Pela Vida, reduzir os números de homicídios, como é o caso do de Pernambuco.

Tudo tem um custo financeiro, porém, se houvesse mais investimento e uma vontade política de amenizar essas estatísticas, teríamos mais segurança e viveríamos mais felizes, a exemplo de outros países que baixaram seus números de violência com o slogan “tolerância zero”, ou pelo menos diminuir e não permitir seu crescimento descontroladamente, tal como um câncer incurável.

Antonio Damião Oliveira da Silva/Formado em Matemática FFPP/Guarda Municipal Petrolina-PE

Artigo do leitor: Saudades de Paulo Freire

  1. Marya disse:

    É compreensível o saudosismo do Damião. Mas “os tempos de agora são outros”. E a escola é reflexo de cada tempo. O espaço escolar não tem mais a mesma atratividade de antes, quando não se tinha internet, celular, shopping center,etc. A dedicação aos estudos era desfocada apenas pelos programas da TV ou os passeios no parque de diversões nos fins de semana. Hoje a escola é uma “prisão” para os jovens conectados.

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