Artigo do leitor: “Temos uma nova ‘UTOPIA’?”

por Carlos Britto // 19 de agosto de 2023 às 20:22

Foto: arquivo pessoal

Por meio deste artigo, o engenheiro agrônomo Zacarias Ribeiro Filho traz reflexões e entendimento dos cortes ou  transformações paradigmáticas no período de 1776  até os dias de hoje.

Acompanhe, na íntegra:

A ONU considerou o conceito de desenvolvimento  desde de 1990 como o maior desafio da humanidade.

Eu gosto muito da leitura de (SANTOS et al., 2012, p. 2), […].  Já faz algum tempo que desenvolvimento tornou-se tanto um slogan, quanto um termo multiparadigmático. Historicamente, o conceito vem sendo construído com base em três visões paradigmáticas: desenvolvimento como crescimento econômico, desenvolvimento como satisfação das necessidades básicas e desenvolvimento como elemento de sustentabilidade socioambiental. Uma análise desses paradigmas conceituais nos permitirá compreender o desenvolvimento que  passa pelo entendimento dos tecidos éticos, epistemológicos (teoria do conhecimento) ontológico (ciência do ser, reflexão sobre o ser), respondendo as seguintes questões: O que é o desenvolvimento? Para quê? De que natureza? Em que direção? E a que o desenvolvimento nos leva. Questiona Santos, ao mesmo tempo em que encontra a origem do desenvolvimento na Biologia, a partir da visão de Darwin, para quem essa palavra passou a ter uma concepção de transformação, vista como um movimento na direção da forma mais apropriada” (os grifos são meus).

Tendo como referência a lógica nas três visões paradigmáticas de Santos, abaixo temos o nosso entendimento dos cortes ou  transformações paradigmáticas no período de 1776  até os dias de hoje; entendo como um esforço de simplificação exagerada da história da ciência econômica fundada por Adam Smith.

Primeiro, o desenvolvimento foi por muito tempo entendido como sinônimo de crescimento e nasceu com Adam Smith (1776), com a metáfora da “mão invisível”… Sem a intervenção do governo; o mercado resolve. Ele acreditava  que a iniciativa privada deveria ser deixada agir livremente, com pouca ou nenhuma intervenção governamental. A expressão Laissez faire (deixa fazer) ficou  conhecida por marcar o início do liberalismo , (estado pequeno… etc.).

As grandes discussões  sobre o conceito de desenvolvimento evoluíram e chegaram a um olhar diferente e passaram a admitir que crescimento econômico não é desenvolvimento…  já que o fracasso da métrica inicial (PIB) foi reconhecido, quando se percebeu que o seu crescimento não era capaz de reduzir a pobreza (Lara; Oliveira, 2017). Nessa ótica, o PIB mede o crescimento econômico, não o desenvolvimento.

O segundo corte teve seu ponto de mutação com John Maynard Keynes (1882 – 1946). Foi  um dos maiores críticos ao liberalismo, com o seu paradigma Walfare-State, ( Estado de bem-estar social) defensor do intervencionismo econômico, na opção pelo pleno emprego e pelos impostos progressivos. No entanto, alguns autores admitem que seu objetivo era aperfeiçoar o capitalismo, de modo que se una ao altruísmo  social (através do Estado).  Numa simplificação histórica, chegamos ao que chamamos hoje de  Social Democracia (Estado Forte).

Desenvolvendo um semelhante viés social,  Pierre Leroux, que pode ser considerado o pai do socialismo, caminhou no entendimento  que considerava relevante algumas características como: a igualdade de divisão de bens entre a sociedade; o poder centralizado no Estado, inclusive de controle da produção; a ausência de competição e lucro; a ausência de divisão de classe entre a sociedade.

Já Karl Marx, antes de tudo um revolucionário, acreditava que o capitalismo era um sistema de exploração e dominação do proletariado em favor da burguesia. Foi o primeiro a tomar consciência da necessidade de contribuir para a libertação do proletariado. Assim, o comunismo pode ser visto como a “ doutrina das condições de libertação do proletariado, concebidos por Marx e Friedrich Engels.

O terceiro corte nasceu da Confêrencia de Estocolmo em 1972, oportunidade em que   o “meio ambiente” foi inserido na agenda internacional.

Admite-se nessa leitura  que as três quebras de paradigmas resumidas acima deram origem ao que conhecemos hoje como Dimensão Econômica, Dimensão Social  e Dimensão Ambiental.

A Dimensão Econômica tem no PIB seu aferidor universalmente aceito, que diz quanto a economia está crescendo.

A Dimensão Social tem no IDH seu principal aferidor, mas tem um desafio metodológico grande pela frente, pois “estamos atrás de como podemos medir a felicidade de uma nação.”

A Dimensão Ambiental ainda não tem um aferidor aceito na mesma medida que temos o PIB e o IDH, que respectivamente servem para aferir o crescimento econômico e o desenvolvimento humano.

Então, inferimos que o PIB e IDH não são suficientes para aferirem o desenvolvimento sustentável, já que as complexas  interrelações entre as variáveis das três dimensões desafiam a criação de um construto que venha a ser aceito universalmente. Conforme provoca a ONU, no seu 17.9 objetivo registrado na Agenda 2030, “valer-se de iniciativas existentes para desenvolver medidas do progresso do desenvolvimento sustentável que complementem o Produto Interno Bruto (PIB) e apoiem a capacitação estatística nos países em desenvolvimento”.

NOTA: Existem vários estudos na direção de se criar o construto de aferição do desenvolvimento sustentável, porem não encontraram ainda  a “aceitação global”.

 Sim, mas aonde está a nova UTOPIA?

Entendemos que as dicotomias (direita X esquerda), (Estado pequeno X Estado grande),(capitalismo X socialismo), (Smith X Keynes) parece que  perderam força, e já não são mais capazes de gerarem  UTOPIAS.

O primeiro raciocínio na direção da nova utopia está na perspectiva macroeconômica  de entender e acreditar  que as grandes contribuições dos pensadores clássicos  descritos acima, em tese, não são antagônicos, mas sim complementares. Foram  transformações  que levaram séculos, vistas  como um movimento na direção da forma mais apropriada. Essa forma mais apropriada, precisamos também acreditar que está na nossa frente está no conceito de  sustentabilidade, que busca o equilíbrio entre a eficiência econômica (que teve início  com Smith), a equidade social (que começou com “Keynes, Pierre Leroux ,Marx e Engels), o cuidado com o meio ambiente (na Conferência de Estocolmo) como forma de alcançar o desenvolvimento sustentável, que é aquele que atende as necessidades das gerações presentes sem prejudicar o atendimento das necessidades das gerações futuras.

Ainda na perspectiva macroeconômica, temos os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável – ODS-2030, dos quais destacamos genericamente os grandes desafios: necessidade premente de redução da emissão dos gases de efeito estufa – GEE, a pobreza extrema, a discriminação e a desigualdade que desafiam a sobrevivência do planeta.

O segundo raciocínio  que se interrelaciona com o primeiro está, agora, na perspectiva microeconômica no instrumento que desponta e se propõe  colocar no radar das empresas/corporações,  o conceito de sustentabilidade, que é a agenda ESG (Environmental, Social e Governance) em Português ( Ambiental, Social e Governança).

A agenda ESG traz esses temas para o centro das decisões das corporações. O mundo tem vivido um turbilhão de transformações que convergem para um único ponto: a RESIGNIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES HUMANAS¹, que constrói pontes, derruba muros, rompe silêncios.

A agenda ESG é um tema inesgotável e fundamental para a sobrevivência das próximas gerações, e assim, quem sabe, pode se  criar, em tese, uma nova utopia: a do “SUSTENTABILISMO”.

O SUSTENTABILISMO como utopia cresce pela visão natural de Darwin que, assim como as espécies estão em permanente transformações. O desenvolvimento sustentável pode ser visto como ´sum movimento permanente na direção da forma mais apropriada do desenvolvimento; respondendo também às questões levantadas por Santos: O que é o desenvolvimento? Para quê? De que natureza? Em que direção? E a que o desenvolvimento nos leva abrindo assim a esperança de um mundo melhor a ser perseguindo pela humanidade.

¹ Jornal Valor Econômico – Sustentabilidade é o ponto de partida para a transformação social- Fernanda Leitão -Tabeliã do 15º Oficio de Notas

Zacarias Ribeiro Filho/Engenheiro Agrônomo/MSc. em Dinâmica do Desenvolvimento do Semiárido/Consultor da ABRAFRUTAS (Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados)/MBA em ESG em formação

Artigo do leitor: “Temos uma nova ‘UTOPIA’?”

  1. José Florêncio Coelho Filho disse:

    Parabéns Zacarias pela análise reflexiva.

  2. Roberto Folley Coelho disse:

    Nova UTOPIA o SUSTENTABILISMO vem para reformar as relações empresa/sociedade/ patrimonio/ indivíduos

  3. Fran Terto disse:

    Excelente reflexão. Muito relevante ressaltar estes contrapontos e mostrar que estão todos interligados em sua essência. Sem extremismos tendenciosos de nenhum tipo é possível encontrar o equilíbrio entre as três vertentes e compor um cenário social, econômico e ambiental que seja passível de gestão à essa sensível (e diversa) geração que está por vir.

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