Os 100 anos de nascimento do eterno Rei do baião, Luiz Gonzaga, celebrados nesta quinta-feira (13), foram lembrados no artigo abaixo pelo jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Juazeirense de Letras (AJL), Luiz Hélio (foto).
Boa leitura:
A voz do Rei Luiz me remete à tenra infância quando, encarnando um serelepe guri eu escapulia da barra da saia de mamãe e disparava em direção àquele cercadão com cheiro de grama e de gado, que era o pátio da Exposição Agropecuária do Crato. Em meio ao colorido das varetas de algodão doce, das girafas, onças pintadas e macaquinhos de borracha que encantavam outros “zoiudos cabrinhas” iguais a mim, lá no alto do palco estavam os sanfoneiros das terras cariris puxando o fole e esquentando o povão antes de entrar em cena o véio “Lua”.
Não entendia direito o significado das canções entoadas pelo vozeirão imponente daquele simpático e bonachão senhor encourado tal qual um vaqueiro. Mas havia algo de mágico ali que encantava e enternecia de tal forma a simplesmente deixar-me paralisado durante todo o show, o qual acompanhava pelas pontas dos pezinhos e agarrado à grade. Nada temia naquele momento, nem a multidão e nem a terrível claustrofobia que normalmente me atormentava quando estava em locais com grandes aglomerações.
Aqueles versos e melodias bailavam ao vento e chegavam aos meus ouvidos falando de coisas alegres e também tristes de uma forma tão cativante e encantadora que estranhamente trazia saudades de coisas as quais eu sequer ainda havia vivido. Confesso que não lembro de fato, mas segundo minha mãe, “seu Gonzagão” chegou a passar a mão na minha cabeça e brincar comigo quando passamos por sua mesa num restaurante localizado no centro do Crato e meus pais pararam para cumprimentá-lo.
A verdade é que essas cenas gonzagueanas nunca saíram da minha memória e até hoje mexem profundamente comigo. E… não, isso não me fez virar um especialista em Luiz Gonzaga ou ser um pesquisador desse mestre da cultura nordestina. Não sei nem quantos discos ao todo ele lançou desde o começo da carreira até a sua “triste partida”. Quantas canções ele compôs, quantos livros já escreveram sobre a vida desse fantástico viajante brasileiro? Sinceramente não sei dizer.
Mas uma coisa é certa: eu fui tocado pela mensagem desse iluminado gênio, por sua ungida alma de digno sertanejo e hoje entendo perfeitamente a verdade e grandiosidade da sua obra, sempre pautada pela bravura, pela honestidade, pelo amor à sua terra e ao seu povo.
Em novembro do ano passado parei em Exu quando voltava de Juazeiro do Norte e visitei o Museu do Gonzagão, que estava vazio e no mais absoluto silêncio naquele início de causticante tarde. Era o momento ideal para ter novamente a oportunidade de estar pertinho e receber a energia de seu Luiz. Até então minhas aproximações com Gonzaga aconteciam (e acontecem) apenas no período junino, quando sempre assisto ao DVD do único show registrado em vídeo até hoje, o especial da TV Globo com a despedida do Rei do Baião. E também pelos CDs que toco no carro durante a mais nordestina época do ano.
Após as primeiras fotos na área externa resolvemos (eu, minha mãe e minha esposa) entrar para apreciar a exposição: a farda do exército da época de recruta; as sanfonas; os inúmeros discos de ouro e troféus; as reportagens do mundo inteiro, as roupas etc. E quando ainda havia muito a ser visto, um retrato num quadro levou-me às lágrimas e a uma inexplicável tremedeira: o registro da dor e da tristeza de Gonzaguinha (o filho), com o braço em cima do caixão do pai, contemplando o vazio.
Acabava ali a minha visita. O guia, preocupado, acompanhou-me até o lado de fora e ofereceu-me água. Ainda sentei num banquinho em frente à casinha de reboco até me restabelecer emocionalmente e seguir viagem, ainda perturbado por aquela imagem, como se naquele momento eu tivesse sentido as reais presenças dos dois Gonzagas. Pai e filho, que após tantos desencontros estavam ali juntos para sempre, numa única alma transformada em luz do sertão.
Por isso mesmo não fiz esforço algum para ir às merecidas comemorações do centenário de Luiz Gonzaga. Duvido que, em meio a tanta festança, multidão e barulho eu conseguiria sentir mais uma vez a presença desse “Rei enluarado chamado Luiz”. Um dia voltarei e serei mais uma vez recompensado.
Obrigado, seu Gonzaga! Minha singela homenagem eu faço através da poesia de Virgílio Siqueira e da voz de Zélia Grajaú com a canção “Um Rei de Couro”, que em minha humilde opinião, é a mais bela tradução desse “sanfoneiro, vaqueiro feliz” que era “feito de fibras de lua e de sol”, disponível no youtube: http://www.youtube.com/watch?v=rsWhiidKI0s
Luiz Hélio/poeta, escritor, jornalista e membro da Academia Juazeirense de Letras
Bonito poeta, arretado mesmo!