Uma das atrações do 8º Aldeia do Velho Chico desta quinta-feira (16) é uma mulher de várias faces. Professora universitária, poetisa, atriz e cantora, Elisa Lucinda se apresentará às 20h no Centro de Cultura João Gilberto, em Juazeiro, prometendo momentos de muita descontração com o público sanfranciscano.
Ela concedeu uma entrevista ao jornalista Carlos Laerte, que coordena a assessoria de imprensa do Aldeia. Confiram:
Elisa, palavra poética e recital
A poetisa, escritora e cantora capixaba, Elisa Lucinda é considerada hoje um dos maiores fenômenos da poesia brasileira, tendo inclusive conquistado o Prêmio Altamente Recomendável, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), com o poema de estreia na literatura infantil, “A menina transparente”.
Elisa faz apresentações teatrais em formato de saraus poéticos com temas, a exemplo das relações amorosas, racismo, feminismo e injustiças sociais, e surpreende escrevendo versos com esta textura: “Moço, cuidado com ela! Há que se ter cautela com esta gente que menstrua… Imagine uma cachoeira às avessas: cada ato que faz, o corpo confessa.
No meio televisivo, Elisa ficou mais conhecida pelas participações nas novelas “Mulheres Apaixonadas” e “Páginas da Vida”, ambas de Manoel Carlos, exibidas na Rede Globo.
A. P – O que é fundamental na construção de um poema?
Elisa – Primeiro o olhar. As coisas, natureza, os sentimentos são os mesmos do velho/novo mundo o que muda é o olhar sobre tudo. Não venho aqui falar da forma. Um poema deve tocar. Se é rima, soneto, verso livre, isso se refere à roupa dele, mas o essencial é tocar.
A. P – Como você lida com a memória no processo de criação?
Elisa – Sem memória não tem história, sem memória ficamos sem links e referências. Ela é minha aliada e a poesia falada é o seu tônico.
A.P – Qual a importância da oralidade na sua obra?
Elisa – Toda. Mesmo poemas que pareçam ter nascido para a leitura silenciosa penso que todo o autor quer se comunicar. Portanto, toda literatura para mim pode e deve ser feita em voz alta. Oralidade pra mim também quer dizer escrever.
A.P – Qual a poesia que toca sua alma muito mais? a que provoca, invoca ou a que traduz?
Elisa – A que traduz. O que há de mais sedutor e fascinante no ofício do escritor é a delícia desafiante de achar as palavras para traduzir seja lá o que for. Portanto, quando um poeta consegue com palavras trazer para diante dos meus olhos o mar, e para o meu nariz o seu cheiro, tiro para ele o meu chapéu. Há poesias que são verdadeiras pinturas e há poetas artistas plásticos, cineastas do verbo
A.P – O amor, o racismo, o feminismo, as injustiças sociais. De que forma sua poesia trata estes temas?
Elisa – Quero que a minha palavra possa ajudar a esclarecer esses temas. Mas a palavra também tem gume. Quero iluminar, com minhas lanternas de palavras as estradas que eu acredito que possam nos livrar ou ao menos amenizar as injustiças do mundo. É pretensão de poeta. Somos pacificadores e, ainda que provoquemos não levantamos a onda conclamando a violência e a morte. Queremos a vida. Mas a palavra tem seus lados, seus gumes, um lado lâmina, o outro lume.
A.P – Dizem que você faz poesia de tudo. Como escrever sobre relações amorosas e conceituar sociedade de consumo numa mesma obra?
Elisa – Somos concomitantes, e embora nos organizemos em prateleiras, gavetas, turnos, pastas, repartições, a vida nos acontece múltipla todo o tempo: temos fome, amamos, sonhamos, enquanto estamos trabalhando por exemplo. Uma coisa não estanca para que a outra comece. Da mesma maneira, são elementos do que interagem com minha relação amorosa a relação com o consumo, por exemplo. Em suma, assim como há mar, terra, sol, céu, chuva, mato, bicho, estrelas e lua, há o ser humano e dentro dele sua múltipla relação com esse mundo. Ou seja, é tudo junto e misturado, e não foi eu que inventei.
A.P – O poeta definitivamente é um fingidor ou apenas mais um personagem cotidiano que pensa representar?
Elisa – Não, o poeta não é um fingidor. O poeta é um tradutor dos processos humanos. Sua especialidade é o sentimento, é aí que ele é poliglota.
A.P – O que mantém a poesia viva?
Elisa – Evitando a sua morte por má declamação, preservando-lhe o frescor atemporal, para que ela, quando boa, siga traduzindo os humanos todos em geral.
Valeu, mestre Laerte. Perguntas inteligentes com respostas lúcidas. “Preservar o frescor atemporal da poesia”.
Grande Elisa.