Enquanto isso…

  1. galdino neto disse:

    O sistema de cotas se tornou um tema extremamente polêmico no Brasil. É pena que as discussões oficiais acerca do assunto tem um tempero ideológico. A discussão das cotas deixou de ser assunto de estado para se tornar briga entre classes. As pesquisas revelam reiteradamente que os negros passam mais por dificuldades sócio-econômicas que os brancos. Ou seja, há, proporcionalmente, de acordo com essas pesquisas, mais negros em dificuldades que os brancos. Mas o que é ser negro e ser branco? Essa polêmica é um dos temas centrais da polêmica. Etnicamente, de acordo com estudos, todos nós somos misturados. Não há, para os etnólogos, a etnia branca e negra. No meio dos “negros”, para os etnólogos, há bantus, xhosas, zulus. No meio dos brancos, há, entre outros, os caucasianos. Se formos à Europa, percebemos o caldeirão étnico que se encontra por lá. Romanos se misturaram com celtas, bretões, árabes, mouros, fenícios, persas…. E essas misturas se juntaram no Brasil aos, digamos assim, negros, índios, formando o que conhecemos por povo brasileiro. Meu Deus!!! Isso nos deixa confusos… Então o recenseador do IBGE bate à nossa porta e nos pergunta: Você se considera negro, índio, branco, pardo ou amarelo? O que agente disser ele anota e vai para as estatísticas. Você pode ter o olho azul da cor do céu, mas se disser ao recenseador que é negro ele anota que é negro e vai embora. O resultado diz que mais de 50% da população brasileira é branca. Você acredita nisso? Quando saímos às ruas, se pararmos para olhar, grosseiramente, a pele do brasileiro, dá para acreditar que mais da metade é branca, de olhos azuis, cabelos loiros? Será que uma pessoa de olhos escuros, cabelos encaracolados, pele clara, pode ser considerada branca?Para onde foram os pardos? Diz-se por aí que mulato, ou moreno, ou pardo, como queira, é a mistura de negro com branco, ou branco com índio ou índio com negro. Vamos supor que meu pai seja branco, de olhos azuis. A minha mãe negra, de uma estirpe, digamos assim, pura (que não há) da África. Vamos supor que eu tenha nascido mulato, pardo, ou moreno, como diz os ingleses, brown (marrom). Para o IBGE eu digo que sou branco. Prevalece o criterio de dominação cultural. Pertencemos à cultura europeia. Para a universidade, eu digo que sou negro. Prevalece o desejo de entrar na universidade. Se sou pardo, tenho sangue de branco e de negro. Posso ser os dois ao mesmo tempo? E se eu tivesse nascido loiro, com as características de meu suposto pai? Também seria negro, pois as regras dos vestibulares falam em afrodescendentes e minha suposta mãe é africana. Supohamos que minha família é bem abastada financeiramente, ou seja, frequentei boas escolas e vou competir com pessoas que nunca pisaram numa escola de qualidade. Enquanto algumas pessoas supostamente brancas, pobres, vão para a concorrência geral. Aí é onde reside a confusão. A cota tem que ser para afrodescendentes somente ou para afrodescendentes carentes? O que fazer com os não afrodescendentes carentes? Sou consciente que nosso país escravizou por mais de 300 anos um povo e que tem uma pesada dívida para com esse povo. Ainda hoje há violentas marcas deixadas pela escravidão e o Brasil ainda não superou de forma satisfatória o estigma da “inferioridade” da “raça negra”. Eu sou um dos que senti isso na pele. Sou afrodescendente, de família pobre, tive dificuldades de me colocar no mercado de trabalho privado, tive que fazer concurso público para me inserir nesse mercado, e, vejo, que a questão das cotas deve ser discutida com seriedade, sem o calor das ideologias, pois há muitos afrodescendentes que continuam escravos do sistema, porém, é preciso que se leve em conta os não afrodescendentes carentes também, para que o discurso não ganhe tons discriminatórios, de um lado, e de outro. Somos todos um pouco afro, um pouco europeus, um pouco índios. Mas precisamos enxergar “o nosso pouco” mais frágil, para fortalecê-lo, no sentido de tornar o todo mais equilibrado, seja esse pouco o índio, o negro ou o europeu.

    *O sistema de cotas surgiu nos EUA na década de 60, como ação afirmativa. A justificativa pelas cotas americanas para negros baseava-se na superação das desigualdades socioecônomicas. Impõe-se como uma das metas de qualquer sociedade que aspira a uma maior equidade social. Lá, a questão da “segregação racial” era mais bem definida do que por aqui. O racismo por lá era visível (hoje, embora tenha diminuído, ainda continua visível), por aqui, o racismo é camuflado. O preconceito aqui é mais sócio-econômico do que racial. E grande parte dos afrodescendentes são discriminados justamente por não terem tido a oportunidade de ascender sócioeconomicamente. Reflitamos:
    Você conhece quantos juízes negros? Quantos padres negros? Quantos diretores de grandes empresas negros? Quantos apresentadores de telejornal negros? Se partirmos para o olhômetro, vamos ver poucos… Agora se aprofundarmos na genética, na etnologia… Vamos parar por aqui que o negócio é complicado.

    A eleição de um Presidente afrodescendente acendeu as esperanças de igualdade entre os afro-americanos. Esperar pra ver…

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