Não há boa vontade ou espírito de tolerância democrática que considere aceitável a nota oficial do presidente da Câmara, Michel Temer, confessando malfeitorias, admitindo mentiras, reconhecendo que os parlamentares brasileiros não têm noção de limite nem conseguem distinguir entre o certo e o errado.
Tampouco é possível crer que possa haver reforma administrativa ou política que resolva o problema se o agente público – do servidor mais humilde ao presidente da República, passando pelo juiz, o deputado, o senador – não mudar seu modo de agir e de pensar.
A crise vai muito além do Poder Legislativo e suas condutas erráticas, quando não criminosas. A crise é moral, de valores, de ausência de espírito público, de dissolução de princípios, de descaramento absoluto.
Doze dias depois de atribuir as agruras do Congresso a uma campanha da imprensa e defender o repúdio às denúncias em defesa da democracia, Michel Temer assinou o seguinte texto: “Em razão da ampla utilização de passagens aéreas nos gabinetes parlamentares, o presidente da Câmara reconhece que deputados, inclusive ele próprio, destinaram parte dessa cota a familiares e terceiros não envolvidos diretamente com a atividade do Parlamento. Tudo porque o crédito era do parlamentar, inexistindo regras claras definindo os limites de sua utilização. Por outro lado, surgem às vezes equívocos na utilização da verba indenizatória, na de postagem, na de impressos e no auxílio-moradia.
Daí porque o presidente da Câmara dos Deputados determinou estudos para a readequação e reestruturação geral e definitiva de todos os pagamentos feitos pela Casa. As diretrizes dessa readequação serão a transparência absoluta (já definida nas verbas indenizatórias), a redução dos gastos e a sua publicidade para que todos a elas tenham acesso. Marcos legais claros e definitivos serão colocados à disposição dos parlamentares e de todos os interessados ainda nos próximos dias”.
Dizendo de maneira clara: as denúncias tinham fundamento, os parlamentares entendem que se o erro não é proibido é permitido, há abusos no uso de outros benefícios, a direção da Câmara mentiu quando anunciou medidas moralizadoras, não há regra de transparência, a Casa é, pois, uma caixa-preta.
Presidida por um professor de Direito Constitucional que já foi secretário de Segurança Pública de São Paulo, pretendeu por diversas vezes ser ministro da Justiça, considera-se preparado para pleitear a Vice-Presidência da República, mas não sabe que as passagens aéreas pagas com o dinheiro público não são bem de uso privativo do parlamentar, destinam-se ao exercício do mandato que, delegado pelo cidadão nas urnas, não é extensivo à família nem aos amigos.
Da mesma forma o Senado. É presidido por um ex-presidente da República, por duas vezes ex-presidente do Senado, ex-governador, 50 anos de vida pública e a condução da transição democrática nas costas, mas acha normal usar agentes de segurança do Senado (pagos com o dinheiro público tal e qual os funcionários domésticos contratados com verbas da Câmara por deputados) para vigiar suas propriedades no Maranhão.
O antecessor e atual parceiro, Renan Calheiros, também achava natural ter despesas pessoais pagas por um lobista e apresentar notas fiscais frias como documentação de defesa no Senado. Concepção compartilhada pelos “nobres colegas” que o absolveram na acusação de quebra de decoro parlamentar.
Visão esta, disseminada pela Esplanada dos Três Poderes afora. Alcança o presidente da República, que, entre outros maus costumes, joga papel no chão, fuma no gabinete a despeito da proibição legal porque considera o espaço como “seu”, zomba dos outros e acha a contabilidade paralela em campanhas eleitorais uma prática tão aceitável que não se constrange em usá-la como argumento de defesa de seu partido.
E o que dizer de ministros do Tribunal de Contas da União que moram indevidamente em imóveis funcionais do Congresso? Falar o que de funcionários que se aproveitam de qualquer oportunidade para patrocinar, emprestar seus serviços para oficializar e também usufruir dos abusos?
E dos ministros que se licenciam do Parlamento e levam junto a cota de passagens achando tudo muito ético porque supostamente não há veto na lei? Só supostamente, porque o Ministério Público vem reiterando que há, sim, ilegalidade.
Alertou inclusive à Câmara recentemente. Na semana passada mais precisamente. Aconselhou o corte de passagens para os Estados de origem a deputados e senadores residentes em Brasília, no Distrito Federal, seu Estado de origem. Fez mais duas ou três sugestões, solenemente ignoradas por um colegiado de dirigentes que preferiu desafiar a tudo e a todos com a oficialização das viagens financiadas pelo Legislativo.
Como solução, o presidente da Câmara determina a realização de “estudos” para “readequação” de procedimentos, numa demonstração de que a desfaçatez não tem fronteiras.
Dora Krame/Estado de São Paulo
AVANTE CLASSE ESTUDANTIL…
VAMOS ÁS RUAS, VAMOS GRITAR, VAMOS CLAMAR POR UMA REDUÇÃO DESSE ESCROQUES . SÃO 572 DEPUTADOS .
VAMOS REDUZIR PARA 200 VAGAS FEDERAIS.
FICA TUDO DO MESMO JEITO, A POPULAÇÃO QUE DE FÔ……..
Gabinetes negociam bilhetes de deputados com agências
Câmara emite passagens em nome de pessoas que afirmam ter feito compra em empresa
Cotas de pelo menos três congressistas são usadas em esquema; servidora diz que é troca de favores e deputado fica com crédito em agência
SILVIO NAVARRO
DO PAINEL
Gabinetes de pelo menos três deputados -Aníbal Gomes (PMDB-CE), Dilceu Sperafico (PP-PR) e Vadão Gomes (PP-SP)- emitiram bilhetes aéreos para Paris em nome de pessoas que jamais viram e que afirmam ter comprado suas passagens em uma agência de viagens de Brasília.
Trata-se de um esquema de comercialização de passagens bancadas com dinheiro público, que funciona paralelamente à farra dos bilhetes, na qual congressistas distribuem sua cota para familiares e amigos viajarem a turismo.
Um caso identificado pela Folha se dá no gabinete de Aníbal Gomes. A servidora Ana Pérsia, funcionária do deputado, repassa os nomes dos passageiros que viajarão com passagens de diferentes gabinetes à Terceira-Secretaria da Casa.
A lista dos passageiros é indicada pela agência de turismo Infinite, que funciona na galeria do Hotel Nacional de Brasília. O proprietário, Márcio Bessa, é irmão de Ana Pérsia.
A servidora da Câmara admitiu à Folha ter incluído os nomes na cota do deputado, segundo ela dentro de uma troca de favores: ele viria a receber créditos para voar no futuro via Infinite. Não fica claro se esses são devolvidos aos deputados em bilhetes ou em dinheiro. “Meu irmão só fazia isso porque era eu”, disse.
Ela diz ainda que há um intercâmbio entre gabinetes. “Sempre teve esse procedimento aqui, há 40 anos acontece isso. As próprias companhias aéreas não questionavam”, disse. “O Vadão emprestava crédito, o Dilceu também. A gente pedia, depois pagava em pedacinhos e ia juntando. Nós já atendemos o Ademir Camilo (PDT-ES) também. Tem deputado que quase não usa a cota.”
A cota aérea foi criada para que o congressista pudesse fazer quatro deslocamentos mensais ao Estado de origem. O valor varia de R$ 4.700 a R$ 33 mil, conforme o destino.
A legislação proíbe que a Câmara comercialize passagens ou use agências, sem licitação, como intermediárias. As agências tampouco podem aceitar créditos da Câmara como forma de pagamento para viagens.
No caso da Infinite, como seus passageiros voam na cota de deputados, o dono da agência diz que devolve os valores posteriormente, embora afirme que “nunca soube como é bem esse processo”. “Ele [deputado] tem crédito e emite em nome de quem quiser, é verba do deputado, para nós nunca houve nenhum tipo de problema. De onde vinha, eu não sei, só sei que ela me mandava o bilhete emitido [pela Câmara].”
O “pagamento”, segundo ele, vem depois. “Ela [Ana Pérsia] liga para mim e diz que o deputado está sem crédito. Diz: “Pode emitir uns bilhetes e te pago quando sair a verba do deputado?”. Ela fica me devendo. Depois ligo para ela e falo para emitir o passageiro, fazemos um encontro de contas.”
Quem fatura os bilhetes é a Airlines Representações, também de Brasília. Ela funciona como “consolidadora” das passagens, no jargão do setor. “Somos uma agência de grande porte, revendemos passagens para diversas agências. A Infinite comprou alguns bilhetes nossos, é cliente”, justificou a proprietária, Valéria Firetti. “Como o Aníbal [Gomes] é conhecido do Márcio [Bessa], quando a verba dele demora para sair, compra particular a passagem e depois faz o acerto. Mas não sei se paga com dinheiro, cheque, etc.”.
Segundo ela, a procura pelas agências é recorrente. “Muitas vezes, deputados ou esposas de congressistas querem pagar bilhetes com a carta de crédito, mas eu não posso aceitar.”
Um dos casos ocorreu no dia 28 de janeiro de 2008. Foram lançados simultaneamente no sistema da Câmara, na mesma data e por três gabinetes diferentes -Vadão Gomes, Aníbal Gomes e Dilceu Sperafico-, bilhetes de ida e volta, São Paulo-Paris, em nome de três passageiros: Sérgio Iannini, Ivan Choas e Vinicius Costite.
A Folha localizou dois deles, que confirmaram ter feito a viagem. Os bilhetes do advogado Iannini e do comerciante Choas, entretanto, foram adquiridos na Infinite. Ambos negam conhecer os deputados.
“Isso gera um dano moral, sou terceiro, de boa fé. Para mim, as passagens tinham sido emitidas e pagas na agência”, afirmou Iannini. “Não sei o que aconteceu, não sei quem são os deputados”, disse Choas.
Do gabinete de Aníbal Gomes também saíram bilhetes para a família Zoghbi, de ex-diretores do Senado, que fizeram viagens ao exterior. Os Zoghbi também usaram passagens de Raymundo Veloso (PMDB-BA), Zé Geraldo (PT-PA) e Armando Abílio (PTB-PB).