Uma sentença judicial sobre a apreensão de uma sanfona em Senhor do Bonfim, no norte da Bahia, chamou a atenção após ser publicada em forma de poesia. O autor do texto foi o juiz Teomar Almeida de Oliveira, da vara criminal, que criou os versos para divulgar sua decisão sobre quem ficaria com o instrumento musical. A sentença foi publicada no dia 23 de março e o fato viralizou.
A sanfona foi apreendida em uma ação de disputa entre dois músicos, que reivindicavam a propriedade do objeto. Quem ajuizou a ação foi um homem de prenome Nivaldo, que havia publicado a foto da sanfona em suas redes sociais. Entretanto, o outro músico, que não teve o nome revelado, alegou que o instrumento era seu e que foi roubado três anos antes.
Após a apreensão, Nivaldo apresentou um documento que comprovava que ele era o dono da sanfona. Este fato também foi registrado na sentença poética, que que teve como resultado a devolução do instrumento para Nivaldo.
Acompanhe a sentença:
“DECIDAM”
SANFONA DO POVO
(Luiz Gonzaga)
“Quem roubou minha sanfona foi Mané, foi Rufino, foi Romão?
Quem roubou minha sanfona foi o Zé, foi Batista ou Bastião?
Quem roubou minha sanfona aí! traz de volta seu ladrão
Olha aqui essa sanfona sempre foi a minha dona e tem valor de estimação!!
Quem roubou minha sanfona eu bem sei foi alguém sem coração.
Nesse dia eu não cantei quase chorei foi tão grande a emoção!
Quem roubou minha sanfona ai! peço não faça de novo!
Pois esta sanfona bela que eu estou tocando nela é a sanfona do povo.
(…)”
No embalo da emoção
Sanfoneiros pedem aquela sanfona velha
Que um dia já foi bela
Hoje ela é castigada, afastada da canção
Condenada a viver gelada
No banheiro da prisão
E o sanfoneiro engaiolado
Sem a voz, os dedos e o pulmão
Distante da sanfona velha
Seu maior bem de estimação
Espera que o Juiz diga qual o querelado
Que levará a sanfona do povo junto ao seu coração
Não há mais tempo de espera
Para uma decisão que preste
O povo está desolado
Por ver o maior símbolo do Nordeste
Que despontou numa tapera
Como um pássaro engaiolado
De tão simples instrumento
Das cantigas do sertão, xote, xaxado e baião
Passou à relíquia sem documento
De disputa encarecida, cobiçada no momento
Que chega a envergonhar o nosso Rei Gonzagão
Quando disse outro dia que o jumento é nosso irmão
Pobre sanfona do povo
Pagando o que não deve
Como qualquer prisioneiro
Presa por ser a rainha do Nordeste e do Sertão
Não pode mais permanecer
Como adorno de banheiro de masmorra da prisão
Não sei quem é o proprietário
Mas, o possuidor do melhor documento (fls. 62)
É presumido o signatário
Dono daquele instrumento
Ficando com o direito
De recebê-la no peito como fiel depositário
Não decido por decidir
Mas, por a lei me permitir (art. 120, § 4º, CPP)
Colocar em suas mãos
Que outrora foi tirada, do povo e dos cidadãos
Sem piedade e compaixão
Aquela sanfona velha que imortalizou Gonzagão
Nilvado o direito é seu, como fiel depositário
Visto o seu opositor não ter provado o contrário
Até que se finde a contenda
Delegado me atenda
Como da outra vez foi buscar
A bela sanfona do povo, vá agora entregar
E para finalizar
Hei por bem declarar
Que fui competente para buscar
Sou também para entregar
Cumpra-se, sem titubear!
P.R.I.
Apense-se ao IP. Após, arquive-se os autos com as devidas baixas.
Senhor do Bonfim, 23 de março de 2018.
TEOMAR ALMEIDA DE OLIVEIRA
Juiz de Direito
(Fonte: Jornal A Tarde)