Mais um comentário pertinente do escritor Luis Fernando Veríssimo. Desta feita, ele pondera sobre a abertura dos arquivos relativos à repressão militar nos Anos de Chumbo vividos pelo país. Confira:
A abertura ou não dos arquivos sobre a repressão à insurgência armada durante a ditadura militar se resume numa questão: se alguém tem o direito de sonegar à nação sua própria História. Os debates sobre a conveniência de se remexer esse passado viscoso e sobre as razões e as causas de cada lado são secundários. A discussão real é sobre quem são os donos da nossa História. É se, 25 anos depois do fim da ditadura, os militares têm sobre a nossa memória o mesmo poder arbitrário que tiveram durante 20 anos sobre a nossa vida cívica.
Não é só a nossa história em comum que está sendo sonegada. A história individual dos mortos pela repressão também. Aos parentes são negados não apenas seus restos, como a formal cortesia de uma biografia completa. Uma reivindicação que nada tem a ver com revanchismo, que só pede uma deferência à simples necessidade das famílias reaverem seus corpos e saberem seu fim. Impedir que isso aconteça para não melindrar noções corporativas de honra ou imunidade é uma forma de prepotência que, 25 anos depois, não tem mais desculpa.
Revelações como as que o Estadão está publicando sobre a guerrilha no Araguaia servem como um começo para o resgate da nossa memória tutelada. Não precisa mexer na Lei da Anistia. É mais importante para a nação saber a verdade do que punir os culpados. E já que se liberou a História e se busca a verdade com novo ânimo, por que não aproveitar e investigar alguns pontos cegos daqueles tempos, como a participação de setores do empresariado em coisas como o Comando de Caça aos Comunistas e a Operação Bandeirantes, agindo como corpos auxiliares da repressão urbana, não raro com entusiasmo maior do que o dos militares ou da polícia política – como costuma acontecer quando diletantes fazem o trabalho de profissionais? Algum correspondente civil ao major Curió deve ter em seus arquivos o relato da guerra naquela outra selva.
Mas sei não, há uma tradição brasileira de poupar o patriciado quando ele se desencaminha. Quando descobriram que todos os negócios com o novo governo Collor teriam que passar pela empresa do P.C. Farias, não foram poucos e não foram pequenos os empresários nacionais que aderiram ao esquema sem fazer perguntas. Nas investigações sobre a corrupção que acabou derrubando Collor, seus nomes desapareceram. E, neste caso, não foram os militares que esconderam a verdade.