Will Carvalho: “O Maraca virou shopping”

por Carlos Britto // 27 de março de 2013 às 22:25

Will Carvalho O nosso cronista Will Carvalho escreve sobre a magia do futebol, que parece, fazer coisa de um passado agora distante. Um passeio sobre futebol arte, amor à camisa e a um futebol que deixou de ser mágico para ser apenas comercial. Leiam:

Eu adoro ir à casa do meu avô.

Lá ele tem vários pôsteres de jogadores na parede. Dezenas de camisas e o mais legal: arquivos e mais arquivos de vídeos de jogos de futebol. E aqui, no Brasil!

Nunca entendi porque não temos mais futebol por aqui. Ontem meu avô tentou me explicar.

– Vovô, o senhor chegou a ver futebol aqui no Brasil?

Tentei começar devagar. Mas não teve jeito. Ele me olhou surpreso e ficou com os olhos vermelhos, como se quisesse chorar. Engasgou um pouco, tossiu e disse:

-Anrram.

– E por que não tem mais?

Perguntei logo de uma vez.

Ele tirou de um quadro na parede uma camisa amarela desbotada, quase branca, tinha um número 10 nas costas. Sentou-se na cama, me colocou no colo e começou, como se não quisesse tocar no assunto.

– Meu pai me contava que sempre houve problemas. Acontece que as coisas foram piorando. Criança morta por torcida organizada. Os torcedores sofriam, choravam, davam dinheiro mensalmente pra os clubes. E depois descobriam que os resultados haviam sido manipulados por um juiz mercenário. Times se envolviam com mafiosos.

Os olhos dele estavam longe.

– O país parava pra ver a nossa seleção jogar. Eles usavam uma camisa como essa (e me mostrou a camisa amarela). Mas descobrimos que alguns técnicos recebiam dinheiro para convocar determinados jogadores, só pra que o passe dele fosse valorizado e ele, o clube e o empresário ganhassem mais dinheiro. A Copa do Brasil chegou. A segunda.

– Aquela que o senhor foi com seu pai?

– Sim. Mas pra ela acontecer, bilhões e bilhões de reais foram gastos. Clubes particulares ganharam estádios próprios financiados com dinheiro público. E depois?! Depois tivemos um monte de elefantes-brancos espalhados pelo Brasil.

-Antes, na época do seu avô, nós éramos os melhores do mundo. Nossos craques eram feitos nas ruas. Mas depois disso, eles nasciam em escolinhas de futebol, baseado em tecnologia e estudos. Quase em laboratório. Futebol moleque? Coisa do passado! Era hora de fazer resultado para fazer dinheiro.

– E aí, vovô?

– Aí a gente foi cansando. Nós paramos de ir aos estádios. A magia tinha acabado. O Flamengo jogando com menos de 2 mil pessoas no estádio.

Olhando apenas pras multidões e pros milhões de reais, de dólares, de euros, esqueceram-se dos meninos da Vila. Do torcedor fanático do Juventus da Mooca, do União Barbarense, do Brasil de Pelotas.

– A partir daí foi questão de tempo. O Maraca virou Shopping. Na quarta-feira à noite um novo horário pra novela. O resto é o que você vê hoje.

Ele se levantou e saiu.

Eu – confesso- não entendi nada. Maraca? Magia? Futebol moleque? Acho que o vovô tá ficando velho demais.

Will Carvalho: “O Maraca virou shopping”

  1. Yuri Sanderson disse:

    Estamos em petrolina
    quem liga pro maracanã ?

  2. Dreda disse:

    Triste realidade que se aproxima.

    Parabéns ao autor por esse e outros artigos que enviou ao Blog. Muito bons!

  3. Marivaldo disse:

    Bom artigo, realmente o diálogo com o vovô está relatando o que aconteceu e o que está acontecendo!

  4. Eudes Sampaio disse:

    Hahhahah Super show seus desenvolvimentos Will

  5. Samara Carvalho disse:

    Não tenho nem o que dizer!
    Texto perfeito!

    Meus parabéns primo!
    Arrasou!

  6. Edésio César disse:

    Grande Will, como sempre nos brindando com textos muito bem escritos e, sobretudo, prazerosos de se ler! Parabéns, querido.

  7. Lucas Carvalho disse:

    AAA é verdade, cada vez menos magia em nossos campos!

    Hoje é difícil encontrar jogadores que tenham identificação com o clube!
    além de que normalmente os jogadores e os técnicos não ficam mais de 2 anos em um clube!
    E se são ruins saem por falta de técnica, se são bons saem porque são vendidos!

    E é assim, aquela velha história de ” NO MEU TEMPO ERA DIFERENTE!” parece estar cada vez mais aparente…Cada vez menos ídolos, e cada vez menos craques, cada vez menos garotos sendo revelados, mas cada vez mais dinheiro rolando!!!

    Mas tudo que vai volta!

    Talvez aja uma esperança escondida por ai!

  8. Jadnaelson disse:

    A primeira coisa que disse ao começar a ler o texto foi: Nossa! ele é fantástico. E é isso, Will é fantástico ao escrever, é de uma delicadeza sem igual. Quem falaria de futebol assim, ao ponto de me fazer ter os olhos minados por lágrimas que insistem em cair. Elas vêm porque gosto de futebol – sou torcedor mesmo – mas também venho me desiludindo com o esporte mais ‘popular’ do país. Popular talvez, democrático, tá ficando difícil.
    Se a primeira coisa que fiz ao ler o texto foi elogiar o autor, a última foi pedir a Deus que não permita que eu diga isso ao meu neto. Oxalá as coisas mudem!

  9. B. Davis disse:

    Acompanho de perto esses textos e dessa vez eu desejo que ele não se realize. Meu coração ficou apertado tentando visualizar isso num futuro próximo! Eu contando aos meus netos como era empolgante ir a um Ba-Vi na Fonte Nova que está na lista dos estádios mais caros para a Copa e pode não dar tanto retorno assim aos cofres públicos. =/

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